As "cidades do futuro" pretendem ser verdes, sustentáveis, inteligentes e low cost. Isto já existe. Chama-se "Campo". Frederico Lucas

Saturday, June 09, 2007

A explosão suburbana


Uma praga alastra das áreas metropolitanas ao conjunto do território português: a doença suburbana

Durante décadas, sempre que se falava em crescimento de subúrbios, pensava-se automaticamente nas periferias de Lisboa e do Porto. Nos últimos anos, o fenómeno ganhou uma nova dimensão. Agora, quase todas as capitais de distrito se despovoam, pelo menos no que às áreas centrais diz respeito, alastrando à sua volta e ‘invadindo’ os concelhos vizinhos, como uma espécie de mancha de óleo de aglomerações-satélites (a infografia que acompanha este texto é ilustrativa desta nova tendência). Ou seja, o mecanismo de transferência de população entre o interior e o litoral referido na edição da semana passada é muito mais complexo do que parece. O interior despovoa-se, mas não são necessariamente as cidades litorais seculares que crescem. Isso acontece - e de uma forma que só encontra analogia no alastramento de uma epidemia - nas zonas suburbanas. Entretanto, políticas desgarradas e de vistas curtas persistem em retirar equipamentos das cidades em vias de despovoamento (veja-se, na pág. 35, o exemplo da projectada transferência do Instituto Português de Oncologia de Lisboa para Oeiras) ou encaram o fecho de maternidades, postos de polícia ou serviços regionais numa lógica de gestão pontual, à margem de qualquer visão de conjunto do equilíbrio do território.

Do ponto de vista urbanístico, estas novas zonas habitacionais periféricas são desastrosas: poucos espaços livres, construção em altura de baixa qualidade, equipamentos colectivos subdimensionados ou inexistentes. A rede de infra-estruturas, seja de transportes e comunicações seja de água, luz ou saneamento, corre atrás do prejuízo e com várias voltas de atraso. O IC19, a via rápida (só de nome) que liga Lisboa a Sintra, é um caso paradigmático: onde em 1991 circulavam 12 mil veículos por dia, passaram a andar 24 mil em 1996. Hoje, transitam dez vezes mais carros que em 1991 e circula-se cada vez pior, apesar de sucessivos e caros alargamentos e desnivelamentos. Há quem deixe o carro à beira do IC19 e faça o trajecto de e para casa a pé, para ganhar uns preciosos minutos no engarrafamento da manhã. De resto, para avaliar onde chegou o pesadelo dos subúrbios, veja as duas reportagens que acompanham este texto, referentes aos arredores do Porto e de Lisboa. É certo que a vida nestas aglomerações não tem só um lado negativo (como as reportagens também registam), e não é menos certo que aqui se produz uma parte importante da riqueza gerada no país. Mas em que condições!

Se, como se referiu no caso do IC19, há mais carros, é porque há mais gente. Prescindindo da discussão sobre a maior ou menor utilização pelos portugueses do transporte público (que será abordado numa das próximas edições destes trabalhos dedicados ao Mês das Cidades), o nível de engarrafamento do IC19 mede o grau de falhanço do planeamento do território nas últimas décadas. Sintra é o concelho da Área Metropolitana de Lisboa onde se licenciaram mais fogos entre 1994 e 1998, alguns ainda por construir. Com um total de 28.375 fogos construídos nos últimos cinco anos, este concelho acolheu (imagina-se como) mais de um terço da construção do distrito de Lisboa.

O que eleva a irracionalidade aos píncaros é começar a verificar-se outro fenómeno, cujas consequências ainda não estão bem avaliadas: o abandono dos subúrbios de pior qualidade, onde estão a multiplicar-se os andares devolutos. O que não admira, se soubermos que a construção prevista nos planos directores municipais dava para albergar outro Portugal.


Luísa Schmidt e Rui Cardoso, EXPRESSO

2 comments:

Sea Spirit said...

Este é, de facto, um problema que merece preocupação, a construção desmedida neste país, consequência da especulação imobiliária, construção essa, que visa o lucro imediato, não reflecte qualquer tipo de planeamento quer a curto ou longo prazo. Serve apenas para gerar lucros para os promotores e balões de oxigénio para as autarquias que vêm nisto uma solução rápida para os seus eternos problemas…

Em qualquer local surgem edificações em altura, muito antes de se planearem acessos, infra-estruturas ou estruturas de apoio. A procura destes locais pela população prende-se com o facto, penso eu, de terem valores mais económicos face aos preços praticados nos centros das cidades, completamente inacessíveis para a maioria.

O que pergunto, tal como o texto do post, sem este planeamento urbanístico, qual será a qualidade de vida destes locais no futuro? Assim como o abandono dos centros das cidades, uma vez que não existe uma politica de incentivo à reconstrução e ocupação destes centros.

Um abraço

Great Houdini said...

Lobbies ... e pouco mais há a dizer!

O artigo foca um tema deveras preocupante dos nossos tempos. Aí concordo com a Sea, a necessidade de gerar fundos a curto prazo é parte crucial do problema.

Surgem situações caricatas, como por exemplo quantos autarcas não têm problemas judiciais com os PDMM? recentemente pela primeira vez um prédio foi mandado ser demolido no Funchal, por problemas com as licenças ... o primeiro.

Os centros urbanos, a continuar assim estão destinados à desertificação e ao degradamento.Pois a especulação imobilária que se pratica é uma vergonha.

O que é triste é que as pessoas, devido à crise, tenham de se submeter a situações como a do IC19. Porque mesmo com toda essa degradação da qualidade de vida, de poucas infraestruturas, edificios de fraca qualidade compensa financeiramente viver nos suburbios. Pois nas cidades ou as casas estão a cair, ou têm preços de outro mundo.

A minha área não é engenheiria mas o marketing e é nessa perspectiva que me expresso. Um empresa deve oferecer produtos que visem a satisfação de necessidades dos clientes, a procura deve estar no centro da procura e quando tal não acontece os resultados só podem ser muito negativos.

A oferta está centrada nela própria, no seu lucro e entra em jogos ilicitos. conclusão as pessoas estão a adquirir um bem que não as satisfaz e um bem desta importância poderá estar a criar uma sociedade mais stressada, descontente.

Deixo a pergunta para quem for da área, mas é assim tão dispendioso apostar na recontrução e oferecer produto satisfatório? A seguir esta estratégia não estaremos a prejudicar a sociedade em si e o meio ambiente?

para os que me aturaram e chegaram ao fim deste extenso comentário, um forte abraço e bom fim de semana.