As "cidades do futuro" pretendem ser verdes, sustentáveis, inteligentes e low cost. Isto já existe. Chama-se "Campo". Frederico Lucas

Monday, November 19, 2012

"Sete propostas para Portugal"


Portugal tem de assumir um forte sentido de urgência em torno da inovação, pois dela dependerá não só a nossa capacidade competitiva, mas também a criação sustentada de emprego de qualidade e a coesão social.  

De acordo com a OCDE, em países como a Áustria, Finlândia, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos, a inovação foi responsável por três quartos do crescimento da produtividade do trabalho entre 1995 e 2006.

Reforçar o investimento na inovação é crítico para uma retoma sustentável. Como afirmou recentemente o presidente da Comissão Europeia Durão Barroso é necessária uma consolidação fiscal inteligente, isto é, manter ou reforçar os investimentos nestes domínios da inovação, investigação e educação, mesmo no atual contexto. A Alemanha é porventura o melhor exemplo dessa abordagem: apesar de ter adotado um severo programa de redução da despesa pública (com o objetivo de reduzir o défice público para 2,5% do PIB ainda este ano), decidiu aumentar em 10% os investimentos em inovação, o que corresponde a um acréscimo de 12 mil milhões de euros. Em seis anos, duplicou a aposta em investigação e desenvolvimento.

Inovação aqui deve ser vista no sentido amplo: não só novos produtos, mas também novas soluções para os grandes desafios económicos, sociais e ambientais que a Europa enfrente. Nos anos 80 e 90, a agenda da inovação esteve focada exclusivamente nas empresas. Houve um tempo em que os temas económicos e sociais era vistos em separado. A economia produzia riqueza, a sociedade gastava. Na economia do século XXI, isso já não é verdade. Sectores como a saúde, os serviços sociais e a educação têm tendência a crescer, quer em percentagem do PIB quer como empregadores, enquanto outras indústrias têm tendência a decrescer. Em muitos países europeus, o sector social já emprega mais gente do que os serviços financeiros. No longo prazo, a inovação nos serviços sociais ou na educação será tão importante como a inovação na indústria farmacêutica ou aeroespacial. Numa reunião recente em Bruxelas sobre envelhecimento e inovação, que coordenei a convite da Comissão, o representante da Finlândia revelou que nos últimos cinco anos foram criadas na Finlândia mais de 200 empresas na área do envelhecimento ativo. A incubadora para a saúde de Londres, lançada há três anos, já deu origem a mais de 30 novas empresas. No Porto, a Católica lançou um programa de empreendedorismo na área social. Hoje, a Europa precisa de mobilizar a criatividade coletiva para melhorar a sua capacidade de inovação, criando novos modelos de prestação de serviços e novos modelos de negócio para responder aos desafios sociais mais prementes do nosso tempo, incluindo o envelhecimento, o desemprego juvenil e a redução das emissões de carbono.

Um dos maiores desafios que Portugal e a Europa enfrentam é claramente o do envelhecimento da população. As redes sociais e as tecnologias de comunicação são fundamentais para transformarmos este desafio numa oportunidade. Uma nova visão para o envelhecimento passa por uma noção de estarmos ligados: ao emprego, aos sistemas de saúde e de apoio social, aos amigos e familiares. Uma oportunidade de bem-estar e oportunidade de crescimento económico. Onde os mais seniores passam a ser vistos em função das suas capacidades e não apenas das suas necessidades.

Na Europa, "active and healthy ageing" é o tema do primeiro European Innovation Partnership, que tem como objetivo acrescentar dois anos de envelhecimento com saúde por cada cidadão. No âmbito de uma nova política de inovação para Portugal, este deve ser claramente um dos desafios prioritários. Criar condições para os mais seniores terem mais tempo de vida independente, inseridos nas suas comunidades, implicará conjugar inovação tecnológica com inovação social e uma forte colaboração entre as empresas, o Estado central, as autarquias e a economia social, criando novos ecossistemas e desenvolvendo modelos inovadores para a sua implementação.

Uma sociedade sustentável pressupõe um processo de inovação aberto. A grande dificuldade é ligar, intermediar e pôr em contacto pessoas com ideias, pessoas com problemas e pessoas com os recursos institucionais e capacidade financeira. No mundo da inovação empresarial, esse gap foi identificado e, ao longo dos últimos 20 anos, foram criados espaços como incubadoras e centros de inovação, em muitas das áreas da ciência e tecnologia. Não há o equivalente na área social — e essa é uma das razões por que muitas ideias boas não se desenvolvem e crescem. Creio que respostas mais criativas e mais radicalmente inovadoras passarão por novos espaços de colaboração. Precisamos de incubadoras para desenhar serviços, onde participem as pessoas com as mais diversas competências, gente do sector público, do sector privado e do sector social. A verdadeira inovação — adoção de novos modelos, não apenas melhoramento dos modelos atuais — pressupõe aprender com quem é diferente e exige espaços "seguros" para experimentar e testar.

Esta nova vaga de incubadoras permitiria criar o ambiente ideal para um trabalho colaborativo por parte dos três sectores — público, privado e social. Os seus resultados não seriam apenas uma panóplia de inovações, mas também um novo fluxo de novas empresas em mercados promissores, como a saúde, assistência social, educação e negócios verdes. Há exemplos muito interessantes por esse mundo fora.

O sistema financeiro atual não está vocacionado para financiar o tipo de inovação necessária para dar resposta aos grandes desafios sociais. Ao contrário dos mercados comerciais, em fase de maturidade, estamos ainda longe de encontrar os sistemas de financiamento adequados para as inovações sociais mais promissoras. Impulsionar novas fontes de criação de riqueza, aumentar a competitividade e dar resposta às necessidades sociais não são objetivos incompatíveis. É necessário desenvolver produtos financeiros com retorno simultaneamente financeiro e social. Exemplo: social impact bonds ou community impact bonds. Trata-se de um contrato entre uma entidade do sector público e os investidores, pelo qual estes se comprometem a aplicar o seu capital na melhoria de um indicador social. O empréstimo é levantado no mercado, por conta e risco dos investidores, e usado para financiar um conjunto de intervenções que têm objetivos específicos e quantificados. Ao possibilitar a mobilização de investimentos não-estatais, as obrigações de impacto social irão levar à canalização de mais recursos para serviços preventivos, os quais podem ter um impacto direto, por exemplo, nos crescentes custos sociais e de saúde. O Estado paga apenas pelos resultados sociais positivos alcançados, através da partilha com os investidores de parte das poupanças alcançadas. A evolução demográfica deve levar a uma reflexão sobre a própria natureza e finalidade dos fundos de pensões.

Uma forma de assegurar uma remuneração passaria por serviços em espécie, desde saúde a residências assistidas.

Cortar nos desperdícios é fundamental, mas não chega: fazer mais com menos implica inovar radicalmente, isto é: introduzir novos modelos de negócio, novas formas de fazer, abertura da cadeia de valor. O crescimento das necessidades sociais, em conjunto com as restrições orçamentais, exige novos modelos de serviço público. O que é que isso implica no Estado? Mais eficiência, obviamente. Mas também uma nova visão, capaz de mobilizar e envolver a sociedade na criação de novas soluções. A forma mais óbvia de reduzir o défice é eliminar ou reduzir serviços públicos. A forma mais inteligente é mobilizar a sociedade para criar novas soluções para as questões sociais. Em vez de reduzirmos a oferta de serviços públicos, a grande prioridade deve ser reduzir a procura. Como se faz? Se eu prevenir o crime, fica mais barato do que pôr mais polícias na rua. Se melhorar a autonomia dos doentes com doenças crónicas, estes não precisarão de ir constantemente ao hospital. Se criar as condições para os mais idosos ganharem autonomia e ficaram mais tempo nas suas residências, não tenho de construir residências. Este tipo de inovação social é nevrálgico.

Portugal não cresce e está perante o espectro de um desemprego crescente. A saída desta crise requer que tenhamos a ousadia em assumir um desafio coletivo: transformar Portugal numa start-up nation. Só um surto de novas iniciativas empresariais pode criar emprego e abrir perspetivas de futuro. Isso pressupõe apoiar as grandes empresas de amanhã, não apenas as grandes empresas de hoje.

Isto significa facilitar o acesso a financiamento, criar um ambiente atrativo para capital de risco, levar os bancos a financiar novamente as PME e insistir que uma fatia muito maior do orçamento de compras públicas seja alocada a este segmento de empresas.

Isso implica uma nova atitude e uma nova política radicalmente nova, assente no apoio à emergência e expansão de empresas inovadoras e de elevado crescimento. Estas empresas são consideradas motor de crescimento que pode levar a mudanças estruturais na economia. São fundamentais para aproveitar as oportunidades abertas por novas indústrias e sectores em crescimento — e não falo apenas de novos sectores, mas também de sectores ditos tradicionais, do turismo ao calçado, onde Portugal é competitivo.

Só a emergência de uma vaga deste tipo de empresas permitirá vislumbrar que algo de verdadeiramente novo e estrutural se passa na economia portuguesa. Empresas inovadoras de elevado crescimento são essenciais para a performance dos países em termos de inovação e crescimento. Nos Estados Unidos, entre um terço a metade do crescimento da produtividade na indústria deve-se à transferência de quotas de mercado de empresas antigas para novas empresas inovadoras e de elevado crescimento. Não só são mais inovadoras e exportam mais, como criam mais emprego. Entre 1977 e 2005, sem start-ups não teria havido crescimento líquido de emprego.

Um estudo feito há dois anos pela agência de inovação inglesa mostra que, neste país, entre 2002 e 2008, as empresas de crescimento rápido representavam 6% do número de empresas e 60% dos 5,4 milhões de novos postos de trabalho criados. Em suma: é nos momentos de crise que podemos testar e criar novas soluções. São tempos para sermos frugais nos custos, mas exuberantes na criação de novos futuros possíveis. E esse o desafio da sustentabilidade.
Fonte: Expresso, 2011-07-16