As "cidades do futuro" pretendem ser verdes, sustentáveis, inteligentes e low cost. Isto já existe. Chama-se "Campo". Frederico Lucas

Saturday, August 28, 2010

"Já tivemos maternidade. Agora, nem uma farmácia"

Vivem longe de quase tudo, e o pouco que têm vai desaparecendo - urgências, atendimento 24 horas, médicos na consulta, enfermeiro a tempo inteiro. E são cada vez maiores as dificuldades destas populações no acesso à saúde. São as juntas de freguesia que tentam minorar os prejuízos, mas o sucesso é relativo. E só ficam os velhos...

Idalina Amiguinho, 63 anos, desfila um rol de queixas, que é preciso interromper para perceber do que fala. Mora em Santa Eulália, uma aldeia do interior do distrito de Portalegre. Mulher com "vários problemas de saúde e, até, da doença dos nervos", não se conforma com o fecho da Farmácia Cruz, há dois anos. "Estava afónica, por acaso até tinha consulta marcada, a médica, a Dra. Alexandra, está cá há seis meses - esteve cá uma espanhola, a Rebeca, engravidou e abalou -, passou os medicamentos para tomar às 16.00. Tive de estar à espera da minha filha para ir à farmácia de Arronches, sempre fica um bocadinho mais perto que Elvas [a 15 quilómetros, menos três]. O meu marido tem um carro velhinho comprado em segunda mão, mas é muito doente, tem colesterol... precisamos de muitos medicamentos, e são caros."
A Farmácia Cruz mudou-se para Elvas, deixando de ser o ponto de atendi-mento/triagem da aldeia. Beneficiou da portaria n.º 1430, de 2 de Novembro de 2007, que permite a deslocalização das farmácias dentro do concelho, sem que a transferência esteja sujeita a uma avaliação,por peritos, às necessidades da população.
"O problema dos medicamentos é importante, mas uma farmácia é mais do que isso. A maior parte das vezes, um técnico de farmácia é um psicólogo, um conselheiro. As pessoas sentem-se bem em lá ir. Enquanto esperam para ser atendidas, vão conversando. O nosso maior problema é a solidão: 60% da população tem mais de 65 anos e passa o ano inteiro só", lamenta Cláudio Carapuça, o presidente da Junta de Freguesia de Santa Eulália. Muitos dos seus eleitores não têm a 4.ª classe para poderem tirar a carta de condução, e muito menos dinheiro para comprar o carro.
"Ainda há dias tive de chamar um táxi para ir a Elvas; aqui não há bombeiros para pedir uma ambulância. Tem de ser, sou solteiro", desabafa José Francisco, 78 anos, agricultor, "trabalhava nas hortas". São pelo menos 45 euros, dinheiro que depois é reembolsado pelo Estado. "A minha reforma é de pouco mais de 300 euros... ", explica. E sempre que o médico de família lhe receita medicamentos, vai directo à casa do farmacêutico, que mantém a residência em Santa Eulália. "Entrego à mulher, e ele traz os remédios no dia seguinte." "Olhe, isso é que não faço", protesta Idalina Amiguinho. "Ele pintou-nos, e eu não vou lá."
"Diziam que a farmácia só ia fechar uns dias, mas fechou e nunca mais abriu. Agora, faz negócio em Elvas e aqui. Eu também levo às receitas à mulher dele." E, assim, José Charruadas, 78 anos, compensa a falta que lhe faz a farmácia. Charruadas também é solteiro. "Fui criado além, nos montes. Não havia mulheres", brinca.
Desenrolam o novelo das críticas no Largo de José da Silva Picão, "autor glorioso do livro Através dos Campos", à entrada da vila, junto ao cruzamento em que os semáforos são controlados por energia solar. Um banco à sombra serve de poiso a quatro reformados. Idalina passou e parou.
"Não se pode estar em casa com este calor", justificam. É a farmácia que fechou, a antiga estação de correios a cair (passaram para um "cubículo" da Junta), o médico que só vai à aldeia duas vezes por semana. "E se estiver doente ou de férias, ninguém o substitui", protestam. "Já nem o pão aqui é feito!"
"Andava aí um bocado manhoso. Tive de ir de táxi para Elvas, porque nunca sabemos se nos despachamos a tempo de apanhar a camioneta. Fizeram-me exames, meteram-me soro e não encontraram nada, mas o que é certo é que andava mal", conta Miguel Carpinteiro, 65 anos, ex-cabouqueiro. Os dois filhos deixaram a aldeia mal se tornaram adultos. "Não há trabalho...", justifica.
E quem não vai a casa do técnico de farmácia, tem a junta de freguesia como alternativa, entre as 07.00 e as 13.00, horário contínuo. Na volta, é uma carrinha que distribui os remédios pelos doentes, mas Cláudio Carapuça, o presidente, faz coro com os que protestam contra o farmacêutico, e não se abastece na Farmácia Cruz, em Elvas. "Não tenho de levar a mal, é um negócio, mas como presidente da junta, não posso concordar", justifica o jovem autarca. Não fala sentado à secretária, mas na igreja, e como servente de pedreiro; com Adriano Carlos, 50 anos, o secretário, e Paulo Carpinteiro, 44 anos, o tesoureiro, colocam um altar para a imagem de Santa Eulália.
Foi o "avó da Fatinha" que instalou a farmácia na freguesia, "há muitos anos. A população sempre se lembra da sua existência, mas é pequena a lista de potenciais clientes: 1100 eleitores nas últimas eleições. Cláudio Carapuça acredita que o Censos 2011 indicará mais habitantes do que há dez anos. A Câmara Municipal de Évora disponibiliza lotes de terreno para construção, a 5000 euros, o que tem levado pessoas para as zonas mais despovoadas. Muitos têm os empregos na cidade.
Já Juliana Sousa, 17 anos, tem poucas hipóteses de sair da aldeia. Não tem meios para se deslocar à cidade; tem família para ajudar. Sentada no degrau da porta da casa, com a avó Maria do Carmo Bolaixo, 85 anos, lamenta: "Se tivesse um emprego efectivo, ficava aqui; gosto disto. Mas está tudo a sair, cada vez há menos coisas para fazer. Estivemos mais de três meses sem médica. E se a minha avó piorava, era à farmácia que ia medir a tensão quando não havia enfermeiro." É um dos poucos rostos jovens da aldeia. Completou o 9.º ano em Vila Boim - na freguesia deixou de haver o 7.º ano -, e a única coisa que conseguiu foi seis meses de trabalho, através do programa Ocupação Municipal Tempos Livres, a ganhar 250 euros por mês. Não tirou a roupa do serviço, e percebe-se que esteve a pintar. "Faço tudo o que for preciso: tirar erva, caiar, tudo..."
Também a população de Colos protesta por a Farmácia Colense, Odemira (Beja), ter mudado para Vila Nova de Mil Fontes. E a história que contam já não é nova. Um estabelecimento secular, tão antigo que deu o nome à rua - Rua da Farmácia -, servia as freguesias em redor. Era um apoio; o problema foi ser vendida a alguém que não "sente aquele amor" pela terra.
"Era a farmácia que a gente aqui queria. Como era dantes. Tenho 64 anos, e já existia quando eu era nova. A minha mãe tem 95 anos e diz que toda a vida houve aqui farmácia. Era do senhor Militão Camacho, sabia muito, fazia medicamentos e tudo. Ele pôs--se muito velhote, e ficou um sobrinho a trabalhar. Depois abalou, e foi vendida a uma senhora que não era daqui. Há tanto tempo que se ouvia dizer que ela abalava, mas custava-me a acreditar... Agora, vai mesmo acabar", conta Joana Correia.
Chegou a trabalhar na casa da proprietária da farmácia, e também por isso lhe dá mais pena. A unidade ainda abre de manhã, mas é só até o processo de transferência estar concluído. "Há aqui muita gente e a escola veio dar vida a isto. Há menos crianças, mas ainda há muitos jovens. Temos centro de saúde (extensão), a Cruz Vermelha, os Correios, a Caixa Geral de Depósitos, a GNR... Temos tudo, é uma pena", lamenta Joana. E têm uma parafarmácia, do proprietário da farmácia de Odeceixe, que se disponibiliza a trazer os medicamentos, e sem pagamento de porte. E um número de telefone para as emergências. "Ah tem? olhe, não sabia. Mas fica à saída da vila; é longe, e não é a mesma coisa", conclui a mulher.
Em São Barnabé, Almodôvar, distrito de Beja, não se protesta contra o fecho da farmácia, a diminuição das horas de atendimento do médico ou o encerramento das urgências. "Nunca tivemos nada disso. Sentimos a falta... mas o que é que quer? O pior foi quando fechou a escola; foi uma escuridão". Lamentações de Lisete Maria, 73 anos. Sentada do lado de fora da taberna local, acompanha Maria Catarina, 78 anos, mais nos silêncios do que nas palavras. Fazem tempo para "comer qualquer coisinha", o jantar.
São poucos os habitantes, na maioria velhos. E só no Verão, com a vinda dos emigrantes, há algum movimento nas ruas. Um médico desloca-se uma vez por semana à Casa do Povo - "é a Dra. Maria, veio da Holanda, que aqui não há doutores, mas quando for embora, lá voltamos a estar à espera". A visita do enfermeiro também é espaçada. Pede-se aos vizinhos para "aviar as receitas", ou então entregam-se na junta de freguesia. E nem os incentivos à natalidade, entre 750 euros (primeiro filho) e 1750 (terceiro e seguintes), fazem inverter a tendência de envelhecimento; há uma criança...
"Sou dos mais novos, mas quem é que pode aqui viver? Não há emprego. E até nos tiraram a aguardente de medronho. Sou mecânico, mas acabo por fazer um pouco de tudo: monto bombas, arranjo motores de tirar água, o que aparecer", explica José Reis, 54 anos. É, também, dos poucos que tem carro. "Pedem-me para que lhes leve as receitas quando vou à cidade; faço-lhes os recados. Tem de ser", acrescenta.
São Barnabé fica a 29 quilómetros de Almodôvar, a mais distante das oito freguesias do concelho. E são 29 quilómetros às curvas pela serra do Caldeirão, estrada estreita e a descer até à vila. As urgências (Serviço de Atendimento Complementar) em Almodôvar encerraram, o que quer dizer que são mais 24 quilómetros até à unidade de Castro Verde. É, seguramente, mais de uma hora de caminho, a prova de que a distância ao quilómetro não é igual para todos.
"A nossa preocupação é a falta de pessoal, não chegamos para as necessidades da população. Se há uma urgência, temos de ir para Castro Verde, sem esquecer o regresso. Desde que as urgências fecharam, que se torna complicado gerir os funcionários. Além disso, somos a reserva do INEM, mas não foi fornecida viatura, e eles têm de levar uma ambulância nossa", conta José Marques, 56 anos, 2.º comandante, dirigente dos Bombeiros Voluntários de Almodôvar.
Em tempo de férias, aumenta a população local. E as preocupações. E, além dos motoristas e técnicos para dar assistência em cuidados de saúde, há o combate aos incêndios. A corporação tem 24 funcionários (condutores, socorristas, administrativos, atendimento), além dos voluntários. "Claro que não posso concordar que fechem as urgências. Os acidentes e as doenças não escolhem as horas, e uma boa parte dos habitantes não tem meios próprios para se deslocarem", protesta.
"E os transportes são maus. O meu pai tem 89 anos e tem de ir à consulta a Beja. Como é que ele vai de camioneta para Beja?! Antigamente, ainda se deslocava de carroça e burro, mas agora nem isso. As camionetas são poucas e é preciso apanhar várias. Estou aposentada e gostava de dar mais assistência, mas moro em Portimão e não conduzo. Nem sei como é que poderia chegar aqui de transportes públicos. Felizmente, arranjou-se uma equipa para lhes levar a comidinha. Mas as pessoas aqui vivem muito isoladas", diz Maria do Carmo Martins, 59 anos, ex-professora do ensino básico. E sublinha: "As pessoas têm de vir a Almodôvar para ver como as coisas ainda funcionam."
A falta de recursos, em especial no acesso à saúde, levaram Luís Monteiro, 42 anos, a voltar a fazer contas à vida. Pequeno empresário na área dos mármores, pensava deixar definitivamente a Bélgica, onde viveu 20 anos, para se fixar em Poiares, a sua terra. Mas esta, em vez de progredir, só "tem regredido". "A Farmácia Portugal fechou há dois anos. Temos de ir a Peso da Régua ou a Vila Real comprar os medicamentos. O hospital é o de Peso da Régua; uma estrada estreita com curvas e inclinada. No Inverno, e com gelo, é um perigo. Agora querem fechar a escola. Tenho um filho de seis anos e uma filha de 14, e não vejo aqui futuro para eles. Qualquer dia é o centro de saúde que fecha. Que futuro lhes vou dar? Não venho para cá e vou vender o que aqui tenho", argumenta.
A Farmácia Portugal mudou-se há ano e meio para Vila Real, e é uma funcionária da junta de freguesia que recebe as receitas. "É um serviço que prestamos aos utentes, sobretudo às pessoas de idade. Os medicamentos chegam no dia seguinte, e se for urgente, ligo e vêm no próprio dia", conta Conceição Rodrigues, 42 anos, que muitas vezes recebe os pedidos da população na sua própria casa; afinal, são os seus vizinhos. É o antigo presidente da Junta, agora técnico da farmácia, que traz os remédios.
As juntas de freguesia tentam colmatar as falhas no acesso aos cuidados de saúde. E lamentam que as decisões sejam tomadas a nível central e sem consulta aos dirigentes locais. E sentem-se de mãos atadas. "Íamos à farmácia a Poiares, a 10 quilómetros, e agora temos que nos deslocar a Peso da Régua, que fica a 31 quilómetros. Já me prometeram que não fechavam o centro de saúde (extensão)... É muito complicado. Em Agosto, não temos médico na maior parte do tempo", diz José Maria Leonor, 58 anos, aposentado da GNR, presidente da Junta de Freguesia de Galafura. E sublinha: "São as leis do Governo, não são as câmaras nem as juntas que decidem. Eles é que lá sabem o que andam a fazer, mas está mal, a saúde é muito importante!"

in DN, Céu Neves e Orlando Almeida

Thursday, August 26, 2010

Os novos empresários tradicionais

A Santa Casa da Misericórdia quer requalificar as atividades tradicionais e através do microcrédito fomentar a criação de pequenos negócios locais gerados por grupos carenciados.

Fomentar a criação pequenos negócios locais capazes de assegurar a empregabilidade e subsistência dos seus promotores e gerar a criação de emprego, é o objetivo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que anunciou a sua intenção de apoiar a criação de 100 novos negócios por ano, com recurso ao microcrédito. Floristas, cabeleireiros, sapateiros, peixeiras, engraxadores ou até cauteleiros são alguns dos profissionais que podem beneficiar com este programa, mas a instituição tem na mira outros negócios.

Entre meados de 2006 e o ano passado, a Santa Casa de Lisboa apoiou cerca de 200 pessoas na criação do seu próprio negócio. A taxa de sucesso das empresas criadas foi tal que motivou a instituição a criar há pouco mais de um ano o Departamento de Empreendedorismo e Economia Social, com o objetivo de incentivar a criação do autoemprego, detetar o espírito de empreendedor local e fomentar a materialização de novos negócios com potencial financeiro.

António Santos Luiz, vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, assume que “o empreendedorismo social é um desafio com futuro”. Apesar da instituição ter alcançado até à data resultados muito positivos na sua intervenção neste domínio, o responsável acredita que “é necessário desenvolver um apoio mais forte para que a taxa de sucesso das empresas que ajudamos a criar se aproxime o mais possível dos 100%”.

Perfil empreendedor, capacidade para gerir um negócio e sentido de responsabilidade, são alguns dos requisitos que compõe o perfil preferencial dos candidatos a este programa. Santos Luiz reconhece que “nem sempre é fácil encontrar este perfil na população abrangida pela Santa Casa, até porque são muitas as situações de vida desestruturadas e a ausência de hábitos de trabalho ou dificuldades de relacionamento”. Mas o responsável clarifica a questão e adianta que “quem não tem o perfil adequado para o programa é encaminhado para outras situações. Tentamos ajudar a encontrar emprego ou investir na formação”.

Cabeleireiros, floristas, peixeiras ou pequenas reparações domésticas são as áreas que, segundo Santos Luiz, têm recolhido mais investimento e apoio pelo Departamento de Empreendedorismo Social da Santa Casa e também uma maior taxa de sucesso. O arranque do projeto depende de que o candidato apresente um plano de negócios aceitável, sendo que pode nesta área contar com a ajuda da instituição ao nível da formação e aconselhamento específicos.

O microcrédito aplicado nestes projetos resulta de uma parceria com o Montepio que financia negócios até 15 mil euros, sendo que como esclarece o responsável, “em média estes projetos representam um investimento inicial de cerca de 9300 euros”. Para António Santos Luiz não há dúvidas de que “são negócios que representam uma dimensão financeira reduzida mas com um impacto social extremamente importante, a de recuperar e inserir pessoas com dificuldades”.

O milagre da micro-ajuda

O conceito que mudou a vida a milhares de pobres em todo o mundo, dando-lhes oportunidades de subsistência que nunca imaginaram ter, surgiu da mente de Muhammad Yunus, o professor de economia que em 2006 alcançou o Nobel da Paz e que foi carinhosamente apelidado de Banqueiro dos Pobres, batizou o seu conceito de Microcrédito.

Yunus acreditou e demonstrou que emprestando pequenas quantias aos pobres para que estes as aplicassem na criação de pequenos negócios rentáveis, conseguiria quebrar o ciclo de pobreza, revitalizar economias locais e integrar socialmente os grupos mais carenciados da população.

A tua teoria foi replicada à escala mundial e por cá somam-se os exemplos. Em dez anos, Portugal assistiu à criação de 1368 empresas com o apoio do microcrédito. Cerca de 40% destes projetos surgiram desde 2008, em pleno contexto de crise. Segundo dados da Associação nacional de Direito ao Crédito (ANDC), a grande maioria (73%) dos negócios criados com recurso ao microcrédito entre 1999 e 2010 ainda se mantém, tendo resistido ao mais conturbado período de crise. Na sua essência são pequenos negócios ligados a restauração, comércio e serviços que necessitaram de um investimento inicial não superior a 10 mil euros para o seu arranque.

Para recorrer ao microcrédito é necessário que o promotor da ideia esteja em situação de desemprego ou não tenha emprego estável e não possua condições de acesso a crédito bancário normal.

Friday, August 20, 2010

Encerramento de Estabelecimentos de Ensino em Territórios Rurais




O encerramento de 700 estabelecimentos de ensino em territórios de baixa densidade está longe de ser uma boa noticia.

A redução crescente de serviços públicos nestes territórios catalisará o despovoamento em curso.

No entanto, a discussão tem estado centrada no nr de alunos por estabelecimento de ensino: 21 alunos
Poderemos considerar um nr elevado para justificar tal encerramento. Mas lamentavelmente, com a actual tendência decrescente de crianças nestes territórios, qualquer valor que se defina para justificar os “serviços mínimos”, será alcançado em poucos anos, revelando não ser esta a forma indicada para o combate ao problema do despovoamento.

Por isso, importa definir estratégias de repovoamento e compreender qual o caminho para as implementar.

No actual contexto económico, não será realista imaginar a ampliação do actual modelo de manutenção de habitantes em territórios rurais, sustentados em subsídios públicos.

Por outro lado, e numa perspectiva bem mais animadora, o território "interior" oferece importantes atrativos para a população metropolitana: Qualidade de vida social e económica; Conectividade fisica e digital.

O crescimento exponencial da economia online, onde pouco importa a localização física das empresas mas onde o factor preço assume uma importância central, será a alavanca desse repovoamento, segundo os autores do projecto Novos Povoadores.

Com menos custos de funcionamento e com melhores condições de vida para os seus trabalhadores, as empresas tenderão a rasgar um trilho que as conduzirá para o território que importa repovoar.
Com isso, recuperaremos a desejada vida nestes territórios e catalisaremos emprego onde este assume uma importância estratégica para o reequilíbrio territorial de Portugal.

Tuesday, August 17, 2010

O poder do networking


O verão pode ser uma boa altura para investir no networking e estabelecer ou retomar contactos de peso que o podem ajudar a encontrar emprego. O líder da Transitar, Yves Turquin ajuda-o a conduzir esta tarefa.

Estar de férias não significa que arrume a um canto a sua estratégia de carreira. Deve aproveitar esta altura do ano para alinhar ideias e estratégias, definir onde quer chegar e que caminhos tem para o fazer. Aproveite o verão para investir no seu networking . Pode ser-lhe muito útil na reentré de setembro que já se avizinha.
Yves Turquin, managing director da empresa especialista em processos de transição de carreira, Transitar, não tem dúvidas de que parar é morrer e para o especialista “o verão não tem de significar uma paragem na procura de emprego”. Diz o líder da Transitar que esta pode ser, na verdade, “a melhor das alturas para de forma descontraída, mas profissional, travar conhecimentos, retomar antigos contactos e fomentar uma network que poderá ser bastante útil para encontrar um novo emprego”.

Se está no desemprego, lembre-se que o trabalho diminuiu nesta altura do ano, mas não pára. As empresas continuam a funcionar e muitos profissionais mantêm-se em atividade tendo até, fruto da redução de trabalho gerada pelas férias, mais tempo disponível para travar contactos, analisar currículos e selecionar pessoal. Tire pois partido desta realidade, procurando alterar a sua situação laboral.

“Aumentar e impulsionar a rede de contactos profissionais e pessoais é o maior potencial do verão”, argumenta Yves Turquin. O especialista em gestão de carreira enfatiza que “nas férias reveem-se amigos, passa-se mais tempo com a família e com ex-colegas. Uma ótima forma de atualizar os contactos e dar a conhecer as suas competências”. Até porque, como faz questão de frisar, “as empresas não deixam de ter necessidade de pessoal por ser verão. Continuam a existir processos de recrutamento durante este período do ano”.

E pode até parecer-lhe excessivamente arrojado, mas o especialista e líder da Transitar aconselha mesmo: “faça networking de fato de banho”. Yves Turquin avança uma série de conselhos úteis para tirar partido do verão na procura de emprego e fazer um bom networking , entre eles a necessidade de “assumir uma nova postura e aproveitar os contactos informais e descontraídos proporcionados por esta altura do ano, apostando em transmitir a sua mensagem, ainda que não esteja de gravata e com os cartões de visita consigo”. É que os contactos profissionais também são feitos nas férias, na praia e no campo e por vezes, refere, “encontramos pessoas que nunca pensámos encontrar tão facilmente em locais inesperados (praia, cinema, bares). É fundamental não desperdiçar oportunidades, só porque é verão”.

Igualmente importante é identificar oportunidades e definir objetivos. “Estabeleça que contactos quer efetuar, que empresas quer conhecer e que cartas vai enviar”, aconselha Yves Turquin. A partir daqui peça todo o tipo de informações e não se iniba. “Não peça emprego diretamente a network profissional, mas tente saber mais sobre a empresa em questão, peça conselhos sobre a melhor estratégia de abordagem ou a melhor forma de conseguir emprego, a realidade do mercado de trabalho nessa área, as empresas e o recrutamento”. O especialista adianta que embora muita gente negligencie esta fase, “estas informações são vitais para perceber a melhor forma de abordar uma organização, um responsável ou um departamento”.

Deve também saber ouvir. Tão ou mais importante do que falar de si ou dar-se a conhecer é saber ouvir. Faça todas as perguntas que entender para ver esclarecidas as suas dúvidas e retenha bem as respostas que obtiver. Caso entenda necessário, tome notas sobre as pessoas com quem falou. “Aponte os cartões-de-visita, informações que considere importantes, assuntos abordados, interesses comuns e tudo o que considerar importante para contactos futuros”, refere Yves Turquin.

E depois de dar estes passos e cimentar o seu networking, não esqueça que não pode deixar este esforço cair no esquecimento. Retome estes contactos com regularidade e defina uma estratégia de posicionamento ativo no mercado de trabalho.

in Expresso

Wednesday, August 11, 2010

A Europa vai ser comprada pela China e pelos príncipes árabes

A Alemanha quer o euro porque quer redesenhar o mapa monetário mundial. A China quer o euro porque não quer ficar sozinha com os EUA. Portugal, para sobreviver, vai ter de tirar partido da globalização. No cenário, optimista, de a globalização sobreviver à crise.Por Teresa de Sousa

José Manuel Félix Ribeiro, economista, em véspera de aposentação, foi subdirector-geral do Departamento de Prospectiva e Planeamento (DPP) e foi aí que produziu os mais conhecidos exercícios de cenarização sobre a economia portuguesa, sobre os futuros possíveis da Europa ou do mundo. Raramente dá entrevistas. O que pensa é o produto de uma mente brilhante somada a uma vasta informação sobre o que se passa no mundo: em Pequim ou na casa real saudita, nos sectores mais inovadores dos EUA ou na prodigiosa empresa de petróleos norueguesa. Evita opiniões taxativas sobre o país. Fornece hipóteses num contexto internacional de profunda incerteza. Polémico e pessimista.

Vivemos uma tripla crise: mundial, europeia e nacional. Podemos começar por aquela que mais nos condiciona, a crise europeia. Como é que a Europa pode sair daqui?

Estive recentemente na Universidade Católica do Porto para falar dessa questão e resolvi fazer uma coisa sobre a Europa, o euro e a China. A minha ideia, que pode estar completamente errada, é que temos de começar por compreender por que é que os alemães foram forçados a aderir ao euro e que o euro, na prática, não é uma resposta europeia à globalização. É, antes do mais, uma resposta à unificação alemã.

E uma resposta política, antes de ser económica.

Política. Não vejo que a Alemanha queira sair do euro nem que a sobrevivência do euro esteja em causa. Penso que a Alemanha tem uma ambição, que esta crise veio fortalecer, que é a de redesenhar o mapa monetário mundial. O que uma parte da elite alemã gostaria era que tivéssemos um sistema monetário com três pólos: o dólar, o euro e o yuan chinês. Há uma parte dessa elite que vive muito mal com o modelo anglo-saxónico de capitalismo e com o seu domínio da economia mundial. Nessa medida, seria um suicídio colocar em causa o próprio euro, porque é ele que lhe dá, apesar de tudo, uma outra dimensão para negociar este sistema tripolar que o marco dificilmente teria mesmo que fosse agora reinventado.

A Alemanha quer preservar o euro mas em que condições?

O que está em causa é a necessidade de consolidar o controlo sobre o euro para que possa ter um papel muito mais importante no futuro. E esse controlo tem de ser acompanhado por outra coisa: a Alemanha quer pagar o menos possível para salvar economias que vê como relativamente inviáveis.

As economias da Europa do Sul?

Sim. E o problema é que hoje a Europa do Sul, ao contrário do que aconteceu nas décadas anteriores, já não é um mercado fundamental para a Alemanha e os alemães vêem-na como um peso que não querem ser os únicos a ter de suportar.

Está a dizer que a Alemanha ficaria satisfeita se os países do Sul saíssem do euro? Isso não seria a sua condenação?

Não vou dizer isso, porque não sei. Essa é a discussão sobre o que quer realmente a Alemanha. Apenas acho que não quer sair do euro, a não ser que seja completamente forçada. Eles quiseram pregar um grande susto à Europa. Mas mesmo um grande susto. Querem impor alguma ordem. Não sei se querem mais alguma coisa.

A UE, tal como existe, ainda é aquela que serve os interesses mundiais da Alemanha?

O que me parece é que os alemães têm uma estratégia clara na qual a China e a Rússia são chave. A China, para venderem aquilo que produzem, e a Rússia para comprarem energia e também desenvolverem a industrialização. Entre a Rússia e a China, a Alemanha tem uma nova estratégia. Mas também admito que não possa separar-se completamente dos Estados Unidos. O ideal, para ela, era que os EUA se dessem bem com a Rússia. Isso favorece o jogo alemão porque pode pôr em prática [a sua estratégia] sem ter de fazer escolhas.

Onde é que entra a China?

A Alemanha sabe que pode contar com a China porque Pequim não quer ficar sozinha com o dólar para o resto da vida. A China é a única entidade no mundo convictamente empenhada - pelo menos enquanto esta direcção lá estiver - em que o euro não se afunde. Quer ter outro parceiro que não seja apenas o dólar e, portanto, no que puder ajudar, fá-lo-á. Comprar dívida emitida por entidades europeias...

Já está a fazê-lo.

Só que há aí um outro problema: a China não sabe muito bem o que é isto da União Europeia, deve fazer-lhe alguma confusão esta coisa de 27 países que decidem tudo numa grande conversa. Precisa de alguém em quem confiar e acho que confia na Alemanha. Os alemães sabem que têm as costas quentes, que a entidade mundial que mais pode ajudar o euro está com eles. Estão relativamente à vontade. Quem deve estar relativamente aflito é a França. São os que vierem a seguir [a Merkel e a Sarkozy] que vão ter, ou não, alguma capacidade para se entender.

Sobre quê?

Não sei. Mas a essa pergunta só se pode responder com outra: os outros países, que não a Alemanha, para onde é que podem ir? Para lado nenhum. A Alemanha está bastante à vontade.

Mas há também fragilidades dentro da própria Alemanha que não tornam as coisas assim tão simples. A Alemanha tem dois problemas. O primeiro é que é uma economia muito exportadora mas não é inovadora. Não há nada de novo que a Alemanha tenha criado nos últimos 50 anos. É extraordinária a melhorar aquilo que já faz há quase 150 anos: automóveis, mecânica, química. Está muito bem adaptada para fornecer países que se industrializam, que se urbanizam e que se motorizam. Mas tem uma grande dificuldade em inovar sobretudo quando as economias desenvolvidas passaram a ser economias terciárias. No sector dos serviços, já praticamente não há um nome alemão.

Isso quer dizer que o seu modelo pode esgotar-se rapidamente?

Isso quer dizer que está esgotado e que ainda tem vida apenas porque há economias emergentes. O segundo problema é que o modelo alemão, em termos financeiros, é totalmente oposto ao dos EUA e ao do mundo anglo-saxónico - é um modelo centrado nos bancos.

Os alemães continuam a poupar muito e a colocar muitos depósitos nos seus bancos. Esses bancos tinham tradicionalmente uma relação muito estreita com a indústria alemã, para onde canalizavam o seu dinheiro. O que acontece é que hoje a grande indústria alemã financia-se nos mercados de capitais, que são uma invenção anglo-saxónica. Com muitos depósitos a afluir e com menos negócios tradicionais para aplicar o dinheiro, eles tiveram de ir à procura de aplicações altamente rentáveis e foram comprar coisas como o subprime, do qual foram os segundos grandes compradores. Importaram um vírus que o seu sistema imunitário não tem capacidade para gerir. E, então, para tentar obter novas receitas que lhes permitissem apagar os prejuízos que aquilo ia criar, lançaram-se a comprar dívida soberana dos países do Sul [da Europa].

E estão amarrados de pés e mãos.

É essa a minha opinião. E isso é uma segunda grande fraqueza, que limita a margem de manobra alemã. Os espanhóis já percebem isto perfeitamente e sabem que um default desorganizado da Europa do Sul lhes seria fatal... Isso faz com que haja um factor de coesão mas, ao mesmo tempo, de muita tensão: os espanhóis não gostam de ser maltratados e os alemães de estar amarrados.

O modelo alemão tem as limitações que descreveu. O modelo anglo-saxónico está a atravessar uma crise. Como é que a China joga com isto?

Não sei, mas admito que quem deve estar assustado são os chineses.

É preciso compreender a crise financeira de 2008. Os EUA são uma economia que tem défices correntes com toda a gente - com a Europa, com os produtores de petr? leo, China, Japão, Taiwan. E isso é uma coisa absolutamente lógica. Os EUA permitiram que a Ásia se desenvolvesse ao transferirem para lá a produção de muitas das coisas que consomem. O que acontece é que nenhum dos outros possui um sistema financeiro próprio capaz de reciclar essa quantidade toda de dólares e, por isso, tem de recolocá-los nos EUA. A questão fundamental é que os Estados Unidos têm de produzir activos em que toda a gente confie e queira comprar como forma de colocar as suas poupanças. O grande problema que penso estar na base desta crise financeira foi que, pela primeira vez, os EUA não tinham activos suficientes para colocar. O Lehman, o Morgan Stanley, eram absolutamente cruciais na economia mundial porque são eles que transformam latão em ouro e que o colocam à venda no mundo inteiro. Não vale a pena dizer que a crise se deve a um bando de gananciosos. O grande problema, que pode marcar o fim da globalização e o declínio americano, é a incapacidade de produzir esses activos.

Este modelo de globalização tem de ter sempre no seu centro os Estados Unidos, com os seus défices. Que funcionam como uma espécie de capital de risco do mundo inteiro.

A China tem a noção disso?

A China precisa dos EUA mas não quer que a Europa desapareça do mapa e fará tudo para ajudar a mantê-la. Já está a comprar títulos de dívida gregos e espanhóis.

A questão é outra. A Espanha andou a criar uns leitõezinhos que já são muito apetitosos: a Telefónica, a Repsol, a Iberdrola, etc. No nosso caso, a Galp, por exemplo. Penso que esta crise é aquela em que alguém vai dizer: meus caros amigos, é altura de os leitões irem para o mercado para serem comprados por quem tiver dinheiro para comprar. O pior que pode acontecer nesta crise é haver uma transferência maciça da propriedade no Sul. É os chineses comprarem tudo o que lhes interessa na Grécia - o Pireu, os armadores...

E em Espanha e Portugal?

Os árabes, talvez. A Europa vai ser salva pelas compras dos chineses e dos árabes e, no caso português, também dos angolanos. Esta é a parte económica, que pode ser muito complicada pela parte geopolítica.

Como?

Em boa medida, por causa da energia. O abastecimento energético da China é um problema-chave para o seu futuro. Eles tinham três hipóteses de o resolver. A primeira era irem para o off-shore do Mar do Sul da China, mas aí tinham um grande problema. A China é uma entidade que não existe, economicamente falando. Tem a fatia costeira que faz parte do mundo da globalização e tem o resto. Esta parte costeira viveria muito bem sem nenhuma ligação com esse resto, da mesma maneira que vivem os coreanos, os japoneses, os taiwaneses, exportando produtos e importando o que não têm. Esta zona próspera e em crescimento - foi esta zona que os EUA arrancaram do atraso - tem toda a vantagem na continuação da globalização, dificilmente pode viver sem ela.

Se os chineses fossem para a opção do off-shore, esta região ainda ficava mais independente e ainda precisaria menos do resto da China. O poder em Pequim tem perfeita consciência do risco que isso comporta e, por isso, defende uma segunda hipótese, a hipótese continental, em que tem de ir buscar o petróleo e o gás à Rússia e, sobretudo, à Ásia Central, que tem de atravessar toda a China. Isso permite-lhes convencer essa China da faixa litoral de que precisa do resto do país e de que precisa do poder central para organizar isto tudo.

A terceira alternativa é dizer: para já, vamos ao Golfo Pérsico e a Angola buscar a energia de que precisamos. Isso tem um problema: as linhas de comunicação marítimas são extensíssimas e quem garante a sua segurança é a América. A dada altura deve haver uns almirantes loucos em Pequim que vão dizer: temos de constituir uma grande marinha. E no dia em que decidirem fazer isso a guerra está no horizonte.

Isso contraria a nossa ideia de que o desenvolvimento ajudará a integrar a China.

Ninguém liga nenhuma a estas coisas mas elas são fundamentais. O poder em Pequim tenta resolver este imbróglio optando pela Ásia Central. Mas aí vamos ter ao Afeganistão. No dia em que os americanos saírem, vamos ter a Índia, que não quer que os chineses vão para lá; os russos, que não querem que os chineses vão para lá; e os chineses que vão entrar lá de mãos dadas com os taliban com que estavam a negociar antes do 11 de Setembro. Porque o controlo sobre o Afeganistão é a chave para uma estratégia de abastecimento por via da Ásia Central. É a única que lhes permite resolver o problema dos almirantes loucos.

Ou as rotas ou o Afeganistão?

E uma terceira, que é quando [a secretária de Estado Hillary] Clinton vai ao Vietname e declara que os EUA querem pacificar o Mar do Sul da China, que é precisamente onde os chineses também podem ir buscar petróleo. Em todos os sítios onde eles querem ir buscar petróleo, os americanos estão envolvidos.

Neste jogo global, qual é o papel da Europa?

A Europa vai ser comprada pela China e pelos príncipes árabes.

E se isso, por hipótese, acontecer, que papel lhe resta?

Vai dividir-se em dois grupos. O Reino Unido já foi à Índia dizer que os paquistaneses eram uns patifes, porque sabe que eles são os aliados da China para este jogo. O que [o primeiro-ministro David] Cameron foi lá dizer agora foi o seguinte: nós estamos com a Índia e não com a China. Está a ver perfeitamente o jogo e ficará deste lado.

Quanto aos árabes, ainda não consigo perceber verdadeiramente o que querem. Há na OPEP um conjunto de gente que quer atacar a importância do dólar e deixar de depender de um dólar que eles temem que vá colapsar.

E também lhes interessa apostar no euro?

Exactamente. Vão continuar a dispor de grandes excedentes que lhes dão para comprara a Repsol e os outros leitõezinhos. Vamos ter uma Europa cheia de príncipes nos conselhos de administração e de chineses a financiar os Estados. E isso vai permitir que a Europa sobreviva.

Sobreviva?

É o nosso pequeno mundo. O grande mundo é a OPEP e também o Irão, a China e os EUA.

Como é que nós, portugueses, nos vamos adaptar a esta nova situação?

Penso que os alemães simpatizam connosco. Investiram cá, têm uma boa experiência, e não fizemos nada recentemente que os levasse a mudar de atitude. Portugal acumulou um capital relativamente à Alemanha que é positivo e que o distingue da Grécia. Mesmo passando entre os pingos da chuva, não estamos assim tão mal no nosso relacionamento político.

Com a Alemanha? Nos cenários que fez em 2002 colocava três alinhamentos possíveis - a opção ibérica, o alinhamento francês e a "Casa de Borgonha", que seria com o Benelux. A ibérica está em discussão - entre eles e entre nós. A França está em situação difícil e o Benelux falhou.

Não sei. Eu estou à janela e apenas posso dizer: aquele que está a passar ali vai ser atropelado. Penso, no entanto, que a Holanda continua a ser crucial e, quando a Bélgica se desintegrar, a Flandres pode ser a nossa maior amiga. É preciso reflectir muito sobre isto, mas creio que há três países que nos interessam: a Alemanha, a Holanda e a Noruega.

A Noruega?

A Noruega devia ser o nosso aliado principal por causa do petróleo, do mar e da exploração da plataforma continental.

Alguns dos cenários do exercício que fez mais recentemente [Portugal 2025 - que funções no espaço europeu, cuja recente actualização considera quatro cenários: "Florida Europeia", "Plataforma Asiática", "Escócia do Sul", "Ponte Atlântica"] consideram a plataforma energética que poderíamos constituir como relevante.

Exacto. Por isso, a Noruega é um parceiro possível - é atlântico e está muito próximo da UE. Fizemos um trabalho sobre as empresas energéticas na Europa e a Statoil [norueguesa] é uma coisa extraordinária - a forma como eles conseguiram estar no mundo inteiro. Mas falo da Noruega se decidirmos fazer uma aposta na plataforma continental, na sua extensão. Os alemães podem também estar interessados, porque não têm mar. Mas entre alemães, noruegueses e holandeses... A Noruega e a Holanda são o mundo atlântico. A Alemanha é o mundo europeu de que não podemos fugir.

Isto não tem de ser contra a Espanha...

Mas há um elemento permanente na cenarização para 2025 que passa pela ideia de que não deveremos ser apenas a fachada atlântica da Espanha.

Esse problema existe, só que uma parte da elite portuguesa não o quer ver. O actual Governo era "Espanha, Espanha, Espanha". Cavaco Silva era "Espanha, Espanha, Espanha". Temos de ter uma boa relação com a Espanha. Isso está fora de causa, mas temos de ver é como é que fazemos isso.

Voltando aos cenários. Parece-me comum a todos que a geografia volta a ganhar peso, depois de ter sido, de algum modo, absorvida pela Europa. É essa a mudança?

A questão central é que, em qualquer dos cenários, Portugal tem de se tornar mais atractivo. Na nossa encarnação anterior, não precisávamos de ser particularmente atractivos. Bastava sermos bem-comportados, cumpridores das normas europeias. Isso até nos criou alguma respeitabilidade. Íamos subindo os degraus.

O que me parece é que, neste estado de tensão em que a Europa vai estar, temos de ter uma maior consciência daquilo que podemos querer.

Que já não pode ser o mesmo?

O nosso percurso de convergência com a UE foi interrompido há 10 anos e agora agravado pela crise.

A resposta que foi dada à crise por este Governo é muito interessante. É uma resposta de emergência, mas o facto é que fomos ter à Líbia, Argélia, Venezuela e Angola. A primeira razão é o petróleo. Mas há outra coisa em comum: à excepção de Angola, todos têm relações tensas com os EUA. Fomos à procura de parceiros que estão completamente fora do nosso alinhamento estratégico, embora pudessem dar bons negócios. Conseguiu-se aumentar as exportações para esses países. O primeiro-ministro fez como Paulo Portas: passou a ir às feiras. Estava habituado a andar nos supermercados e passou a ir às feiras. Não estou a pôr isso em causa, possivelmente não podia fazer outra coisa...

É aí que entram os outros cenários. Num dos que considera, podemos transformar-nos numa plataforma intercontinental alinhada com a Ásia, em que o investimento que substitui o alemão é o asiático...

Mas que se insere muito bem nesta estratégia da Europa próxima da Ásia... O primeiro-ministro chinês, nas declarações que fez sobre o euro, disse que não nos podemos esquecer que a Europa é sempre um campo de investimento prioritário para a China.

E há ainda outro cenário que é o "escocês"...

Esse é apenas se houver descobertas de petróleo e de gás no nosso off-shore, o que provocaria uma grande mudança. Mas mesmo não havendo petróleo, esse cenário não é impossível. Utilizei a ideia da Escócia porque ela se desenvolveu muito fornecendo serviços de engenharia para o Mar do Norte. Desse ponto de vista, a bacia da África Ocidental podia ser o nosso Mar do Norte. Essa função podia ser desenvolvida aqui e o Brasil pode ser um parceiro fundamental.

No outro cenário, o da "ponte atlântica", estamos com o Brasil mas mais numa posição subalterna. É a ideia de que a CPLP pode ter indonésios, australianos - é aquele em que podemos tentar fazer do mundo de expressão portuguesa uma força. Penso, no entanto, que só temos interesse nisso se conseguirmos alinhar mais o mundo de expressão portuguesa com o mundo de expressão anglo-saxónica. Porque o primeiro, sozinho, nunca tem muita força.

O que também há de comum é a ideia de que deveríamos aproveitar melhor a globalização...

Estes cenários são do DPP, mas são feitos por mim. Se o DPP tivesse de se pronunciar hoje, preferiria que eu nunca os tivesse feito. Está numa posição muito melindrosa. A maneira como encaram isto, os mais novos, é diferente. Tudo isto foi feito por uma geração - a nossa - que foi ensinada desde pequena na gestão dos conflitos e na paixão pelos conflitos. A geração deles é a geração da procura da felicidade.

Só que a crise mundial obriga-nos a pensar no que pode correr mal.

O grande problema é que a adesão à moeda única teve como consequência uma fuga generalizada perante a globalização. Quem se endividou mais não foi o Estado, foram os bancos, para alimentar o consumo interno. E esse consumo é uma forma de alimentar as exportações alemãs e italianas, etc. Isso teve duas consequências: facilitou as importações e criou uma atracção enorme pela terra e pelo investimento no imobiliário como grande forma de obter lucro. As famílias podem consumir importando porque têm financiamento bancário e o sector empresarial tem uma oportunidade enorme em torno da terra - da terra para os portugueses e depois, pelos PIN [Projectos de Interesse Nacional], a terra para estrangeiros. Foi esse o esquema que nos levou a uma situação muito complicada. Temos cada vez menos para oferecer para o exterior. O facto de deixarmos de importar não acho mal, o problema é que se criou um sector de emprego muito grande à volta daquilo que se importa. Basta ir aos centros comerciais.

E os grupos económicos e a banca vivem do mercado interno.

No ano passado, a ANEOP [Associação Nacional dos Empreiteiros de Obras Públicas] fez uma publicação maravilhosa que dizia o seguinte: a construção, ela própria, representa 8 por cento do PIB em 2009; o cluster da construção no sentido mais alargado - matérias de construção, promoção imobiliária, serviços ligados à habitação, obras públicas - representa 18 por cento do PIB e absorve 72 por cento da totalidade do crédito concedido pelo sistema bancário. O que sobra é para as PT, as EDP e o resto é nada. É um problema diabólico.

Precisamos de atrair investimento, o que pode implicar várias coisas, entre as quais um sistema fiscal mais competitivo.

A fiscalidade não é tudo. Trouxemos cá o presidente da Infosys [empresa indiana líder mundial nas tecnologias da informação], o senhor Murty, para uma coisa sobre as tecnologias da informação. Queríamos trazer alguém de topo no sector e que fosse indiano. O senhor foi capa da Time mas aceitou vir cá com muita facilidade, trouxe a mulher e umas amigas da mulher que eram goesas, foram aos Jerónimos e tudo isso. A certa altura, quando o trazíamos do aeroporto, perguntámos-lhe porque é que nunca tinha investido em Portugal. Ele respondeu que, para isso, tinha que ter resposta a algumas perguntas prévias. Quais eram as perguntas? Como é que é a relação das vossas crianças com a matemática; a partir de que ano é que escrevem e falam inglês correctamente; como é que estão de talentos; e quantos engenheiros informáticos formam por ano.

Quando foi isso?

Em 2007. Levámo-lo à Agência de Investimento, onde foi muito bem recebido e lhe explicaram que Portugal era fantástico, não tinha greves, era flexível, o IRC era de 25 por cento. Ele ficou calado todo o tempo. Até que lhe perguntaram o que é que achava. Ele respondeu mais ou menos isto: "Achei tudo muito interessante, mas só quero fazer uma pergunta: eu posso premiar os melhores ou não?"

Essas quatro coisas que ele mencionou têm todas a ver com o capital humano e nada com fiscalidade.

Absolutamente. E a outra, tem a ver com o processo de organização social. O que estou a dizer é que, por exemplo, para uma fábrica de automóveis a questão dos impostos é chave. Mas para ter empresas informáticas ou clínicas de alta qualidade, pode não ser tão importante. Isso obrigaria a ver, em primeiro lugar, o que é que queremos atrair nesta fase e o que podemos atrair. E até podemos concluir que é muito mais importante no futuro não ter um IRS muito pesado sobre os quadros do que ter um IRC baixo para as empresas. O cenário da Florida, por exemplo, tem muito mais a ver com talentos.

Já produzimos alguns talentos mas a tendência parece ser a de se irem embora.

Essa questão só se resolve com investimento estrangeiro. E a única alínea da política industrial de um país como Portugal é a atracção de investimento.

Olhando para os cenários que nos projectam mais na globalização, onde é que precisamos de apostar?

Este trabalho que fizemos agora para a ANEOP está muito centrado nas infra-estruturas para lhes chamar a atenção de que, conforme os cenários, assim será a actividade no sector. O cenário da "plataforma asiática" é o mais exigente em infra-estruturas. Grande aeroporto, porto de águas profundas (Sines), caminho-de-ferro para mercadorias para a Europa.

Mas não vale a pena pensar em infra-estruturas se não estivermos, ao mesmo tempo, a atrair os investimentos que necessitem delas. É isso que me custa a perceber, não sermos capazes desse exercício... Temos de encontrar quem são os actores que estão interessados em vir para aqui. E isso não se pode definir à partida, embora haja coisas que se podem saber. Penso, por exemplo, que devemos olhar para Estados intersticiais como Singapura ou o Qatar, com pouca base territorial, mas ligados ao mundo e que precisam de bases. Devíamos olhar para eles como aliados para fazermos aeroportos ou portos de águas profundas ou para termos parceiros para a TAP.

Onde é que vamos encontrar os actores políticos, económicos, sociais para conseguirmos isso?

O que vai tornar este período mais difícil é ainda não se saber exactamente a natureza desta crise. Se esta crise for uma crise de rearrumação da globalização, quem estiver cá a governar vai ter de exercer funções que antes não eram precisas por causa da Europa. Vamos demorar tempo até nos adaptarmos a esta nova realidade e vai levar tempo a que a classe política evolua. Isso não quer dizer que a Europa não tivesse sido boa. Mas criou, em simultâneo, um modelo de funcionamento que não gera as exigências que agora vão ser precisas. As pessoas espantam-se que os dirigentes políticos tenham perdido qualidade. Era inevitável. Era um grupo que devia apenas seguir o que se decidia em Bruxelas, não era preciso mais.

Agora, vamos atravessar um processo dramático onde vão aparecer muitos falsos profetas mas em que o nível vai mesmo ter de acabar por subir. Imagino que sim.

in Público

Thursday, August 05, 2010

Tendências que vão transformar a forma como as empresas atuam

O mundo do trabalho já sofreu alterações profundas nos últimos 20 anos, graças às tecnologias e à evolução das práticas de gestão. E, de acordo com a consultoria Gartner, mudanças ainda maioires estão por vir nos próximos dez anos, quando questões como a falta de rotina e a hiperconectividade afetarão diretamente o mercado e as empresas.

Para a Gartner, um dos principais pontos de mudança será o fato de que as organizações terão menos rotinas. Até 2015, a consultoria projeta que 40% ou mais das corporações trabalharão dessa forma, contra menos de 25% neste ano. Além disso, as pessoas dependerão cada vez mais do trabalho em equipe, o que exigirá tecnologias que garantam a comunicação e a interação entre as pessoas.

Para ajudar as companhias a prever cenários futuros e se preparar para novos ambientes de trabalho, a Gartner listou as dez grandes mudanças para os próximos anos, que impactarão diretamente na TI.

1 – Valorização do trabalho que depende da interação humana
O principal valor das pessoas estará na capacidade de realizar processos que fujam da rotina. As contribuições humanas que resultem em descobertas e inovações estão incluídas nessa categoria. O foco do uso da tecnologia, nesse caso, deve ser muito bem direcionado para estimular uma integração e interação entre os profissionais para estimular ideias e discussões.

2 – Grupos de trabalho
A Gartner prevê também uma disseminação dos trabalhos em grupo para atacar, de forma rápida, problemas específicos e difícil solução. Segundo a consultoria, esse formato de trabalho será muito mais valorizado e premiado que as ações individuais. Além disso, tende a mudar o atual forma do trabalho em equipe, já que dependerá de pessoas de diversas áreas da organização.

3 – Relacionamento em cadeia
Com a adesão aos modelos de trabalho em grupo, os profissionais têm de lidar melhor com as relações em cadeia. Assim, as pessoas precisam explorar o networking (rede de contatos) para buscar os indivíduos mais adequados para resolver problemas e buscar alternativas. Essa postura é crucial para o sucesso das iniciativas em grupo e para o consequente resultado para os negócios.

4 – Equipes externas
A organização não tem controle sobre alguns grupos informais externos de pessoas que podem ter impacto direto no sucesso ou no fracasso da empresa. Esses grupos estão ligados por interesses comuns, incidentes específicos, entre outras razões. Os executivos mais habilidosos sabem conviver com um ecossistema de negócios fora do controle da companhia, com seu poder de influência. Esse poder depende do entendimento sobre o potencial coletivo e da identificação das pessoas-chave nos grupos informais, já que é fundamental reunir inteligência de marketing por meio desses grupos. Igualmente importante é descobrir como usar os grupos para definir segmentos de mercado, produtos e diversas estratégias de negócios.

5 – Processos informais
As empresas precisam detectar todo tipo de processo que foge da rotina, mas que contribui para a tomada de decisões. Segundo a Gartner, essas ações informais tendem a ganhar cada vez mais força no longo prazo. E a única forma das organizações se prepararem para isso é criar rascunhos com os principais modelos de processos.

6 – Trabalho espontâneo
Outro conceito incluído na descrição do novo ambiente das empresas é o trabalho espontâneo, o qual não depende de processos ou de funções específicas. A consultoria prevê que boa parte dos projetos tende a nascer a partir desse tipo de iniciativa não programada.

7 – Simulação e experimentação
A imersão em ambientes simulados, similares aos que puderam ser visto no filme Minority Report, substituirá a extensa análise de células em planilhas. O ambiente simulado será construído a partir de tecnologias que consigam identificar como reunir elementos baseados na forma como as pessoas interagem com o conteúdo. As pessoas, por sua vez, têm a possibilidade de manipular uma série de parâmetros para reformular o mundo virtual.

8 – Sensibilidade a novos padrões

O mundo dos negócios está ficando mais volátil e já não admite uma postura linear, na qual as experiências passadas baseiam modelos futuros. A tendência é de um mercado cada vez menos previsível, razão pela qual algumas organizações já criam grupos especificamente para detectar padrões emergentes, avaliar essas tendências e desenvolver cenários sobre a influência das grandes mudanças e como explorá-las.

9 – Hiperconectividade
O caráter hiperconectado já está presente na maioria das organizações, que abrangem redes em cima de redes, sobre as quais é difícil manter controle. Com esse cenário, haverá cada vez mais misturas entre relações formais e informais nas relações corporativas, impactando an forma como as pessoas trabalham e na função do departamento de TI, que deve estar preparado para apoiar e aumentar as conexões.

10 – Caem barreiras entre vida profissional e pessoal
O local de trabalho é cada vez mais virtual e os encontros de negócios acontecem entre pessoas que mal se conhecem. Mas o funcionário ainda terá seu local físico de trabalho, mesmo que seja em casa. Com isso, a tendência de muitos é que as linhas que separam vida pessoal, profissional, social e familiar desapareçam. Cada indivíduo precisa gerenciar a complexidade criada por demandas que se sobrepõem. Quem não souber administrar essa situação pode ter o desempenho comprometido, pois acabará se deparando com o excesso de informação.


Por Redação da Computerworld