As "cidades do futuro" pretendem ser verdes, sustentáveis, inteligentes e low cost. Isto já existe. Chama-se "Campo". Frederico Lucas

Thursday, December 03, 2009

Novos Povoadores à conquista do Interior



"Sou a prova viva de que com Internet podemos trabalhar em qualquer lado"

Frederico Lucas tem 37 anos, três filhos e uma ambição: promover o êxodo urbano, trazer consumidores para os territórios de baixa densidade.
Com o projecto Novos Povoadores, de que é co-autor, quer também demonstrar que se pode ganhar dinheiro a partir de qualquer sítio. Ele está a tentar fazê-lo, a partir de Trancoso. E há muitas famílias interessadas em seguir-lhe os passos.
Por Luísa Pinto

Quando cheguei, estava deslumbrado. Vim para Trancoso em 2004, atrás da minha ex-mulher. Depois de termos vivido em Telheiras, mudámo-nos para Azeitão. Foi lá que nasceu o nosso terceiro filho, em 2002. Foi em Azeitão que fiquei quando nos separámos, com os dois mais velhos, de três e cinco anos, na altura. Eu trabalhava como consultor na área da comunicação. Demorava uma hora a chegar a Lisboa, e outro tanto a regressar, gastava dez euros por dia, já sem contar com combustível, que nem me lembro a quanto estava. Quando me mudei, os meus custos fixos passaram de 1750 euros por mês, entre casa e infantários e ATL dos filhos, para 390 euros.

Poder almoçar e jantar fora os dias que me apetecesse era uma coisa que havia saído há muito das minhas possibilidades.
Aqui, passaram-me a sobrar semanas. Deslumbrei-me. Também com a qualidade de vida. Uma pessoa pode entrar às nove e sair às cinco, ganhar três vezes mais do que paga de renda e infantários (que aqui são subsidiados por toda a gente, entre câmara, Misericórdia e Segurança Social). É uma tranquilidade. O único dia em que há trânsito, isto é, dois carros num semáforo, é à sexta-feira, em que há mercado semanal.

Lembro-me que nos primeiros dias, depois de chegar, deixavam-me um saquinho de legumes à porta. Fazem muito isso. Sabem que alguém chega, não tem terras cá, e lá nos põem à porta batatas, cenouras… é uma coisa muito agradável. Mas há o outro lado, o do controlo social. Dá-me um certo gozo dizer que se o meu filho sair da escola, e se eu perguntar a duas ou três pessoas, alguém saberá onde ele está. Mas isto também significa uma perda de privacidade e de anonimato a que estávamos habituados nas cidades, onde nem se sabe o nome do vizinho de baixo.
Uma vez cheguei de Lisboa, bati à porta da minha ex-mulher, e foi a do lado que se abriu, e foi a vizinha quem me disse: ‘Os seus filhos foram ao cinema.’ Temos de aprender a viver com isto. Eu não conhecia a senhora. Mas ela sabia que os meus filhos estavam no cinema. Aliás, aqui há dias, voltei ao cinema com eles em Lisboa. Foi um susto. Paguei 38 euros. Em Trancoso pagamos pouco mais de sete.

Foi aqui, em Trancoso, que conheci a Ana Linhares e o Alexandre Ferraz e que, a três, desenhámos o projecto dos Novos Povoadores. O Alexandre, que é do Pombal, tirou um curso de turismo, era recepcionista de um hotel, e veio para cá em 2002 porque foi aqui que encontrou um emprego qualificado.
A Ana é de Barcelos e veio atrás do Alexandre, e atrás de emprego.

Somos o Santo António
Foi aqui que nos cruzámos todos, e isto já é um sinal das dificuldades que pode haver na integração numa comunidade rural. Não é por acaso que três pessoas que são de fora é que se juntam. Porque há dificuldade. Se tivéssemos sido acolhidos de outra maneira, este projecto não teria sido concebido assim e até podia ter sido feito com pessoas de cá. projecto Novos Povoadores surgiu de uma conversa com o Alexandre. Começamos a partilhar as dificuldades do desenvolvimento nestes territórios. Se estes territórios têm qualidade de vida para oferecer, por que é que as pessoas não os habitam? Chegamos à questão simples: porque não têm emprego.
Mas, então, eu também não tenho emprego em Trancoso e é aqui que eu moro. Sou assim uma ave tão rara? Há mais pessoas que podem fazer isto.

Eu posso trabalhar a partir de qualquer lado – aliás, agora estou a pensar mudar-me para Marvão –, a única coisa que preciso é ter acesso à Internet. É a economia DNS (Domain Name Server). Com ela, as pessoas já podem vir para estes territórios de baixa densidade, que precisam desesperadamente de consumidores, mas que não têm empregos para oferecer. Com a economia DNS, já não é o território que gera o seu posto de trabalho. Os postos de trabalho ganharam independência geográfica, o meu contabilista pode estar em Vila Real, onde quiser, só tem de receber os meus papéis.
Eu vou contratar o contabilista que me for mais barato, e o que conseguir ser mais competitivo.
Eu fiz o mesmo. A minha tabela de honorários desceu 30 por cento, desde que me mudei para Trancoso, onde continuo a trabalhar como consultor de várias empresas. O trabalho para uma dessas empresas obriga-me a ir uma vez por semana a Lisboa.

Não sou formado em economia do desenvolvimento, nem em gestão territorial. Mas especializei-me a devorar estes temas, e a frequentar tudo o que é congressos e seminários. Acho que a economia acabou com os postos de trabalho, para haver cada vez mais empreendedores. Cada vez mais ganhamos em função das peças que fazemos e cada vez menos ganhamos um ordenado de uma empresa, mas sim de um projecto específico. Isso acontece comigo há já 17 anos. Foi o que sempre fiz.

Tirei um curso técnico de realização, que nunca utilizei, e sou a prova viva de que se pensarmos em algo com Internet podemos trabalhar em qualquer lado. E habitar estes territórios que nos dão qualidade de vida.
Sabemos que há pessoas que procuram estes sítios. Sabemos que há municípios que precisam de quadros qualificados, de consumidores. Nós somos o Santo António. Casamos território com pessoas. Estivemos três anos a discutir o projecto, a desenhá-lo. Não sabíamos como fazer deste modelo um negócio. Só o conseguimos em Dezembro de 2008, quatro meses antes de apresentar o projecto.

Ganhar dinheiro
Quem paga o nosso serviço são as câmaras, por cada cinco famílias que se mudam para o território, e que lá ficam pelo menos um ano.
Mas nós não cobramos um cêntimo às famílias, e não lhes pagamos, sequer, um café. As despesas e as poupanças serão todas por sua conta. Nós só as ajudamos a maturar este processo, esta ideia. Para que elas percebam que estes territórios têm muitas características boas, e outras menos boas.
Não andámos à procura de ninguém. As famílias que se querem mudar é que nos procuram no site [http://www.novospovoadores.pt].
E trabalhamos com municípios aderentes, com aqueles que têm verdadeiramente um projecto, um objectivo.

(...)

Nós não somos uma agência imobiliária, mas ajudamos a identificá-las nos territórios que as famílias querem ocupar. Não somos agência de emprego, mas ajudamos a criar empreendedores.
E não procuramos só projectos de turismo e de agricultura biológica.
Os territórios de baixa densidade são sistematicamente vistos como oportunidades sempre coladas ao turismo. O que sabemos é que o turismo cresce e representa normalmente à volta de 20 por cento da actividade económica do país. E não cresce mais porque as pessoas procuram territórios autênticos, não vão para os sítios onde está tudo feito para o turista.
Trancoso tem 16 mil turistas por ano. Se duplicarmos o número de turistas, para 32 mil, e não há exemplos destes, ganhamos três dias de autonomia anual de orçamento municipal. Temos de multiplicar por cem o turismo para deixarmos de depender do orçamento [público]. Não é por aí que vamos conseguir a independência que se está a pedir aos territórios.

Eu acho que o interior sofre de excesso de dinheiro. Os recursos humanos desses territórios são indiscriminadamente integrados nos municípios, e, por falta de trabalho, são “anestesiados” para nada produzirem. São recursos com os quais o território deixa de poder contar para qualquer estratégia para a sua competitividade. E os outros, os empreendedores locais, são contratados pelos municípios ao preço que lhes é confortável para manterem o seu quadro de pessoal.
Deste modo não lhes resta qualquer motivação para competirem, ainda menos no mercado global. Receio que em muitos casos esta falta de visão estratégica não seja obra do acaso. E nesses locais não haverá projecto Novos Povoadores, com toda a certeza.

in Público, Luísa Pinto

9 comments:

blogdosnegocios said...

Belo artigo. Eu também decidi deixar Lisboa e estou a residir em Ponte de Sor. Tudo o que li no artigo se aplica ao meu caso. Baixei as despesas e através da Internet trabalho para várias pessoas. A minha esposa arranjou emprego num restaurante e vive,os felizes. Quando temos saudades de Lisboa estamos a 200 Kms. Os meus filhos ( 11 e 7 anos ) ficam excitados mas passada uma hora de estarem em Lisboa já estão a perguntar quando voltam. No passado tive a oportunidade de correr a Europa e os USA em trabalho, e aquilo que vi era que as pessoas não se concentravam todas no litoral. O interior estava desenvolvido. Nunca compreendi porque em Portugal não se passava o mesmo. E quando ouço estudos sobre pobreza e outras questões, posso afirmar que estas pessoas são mais ricas do que muita gente pensa. Parabéns ao Novos Povoadores.

Frederico Lucas said...

:-)

Muito obrigado pelas tuas simpáticas palavras.

Gostava de ficar com o teu mail para podermos discutir experiências relativas à integração na comunidade.

Aceita um abraço


Frederico

Ps3uDo said...

Li o artigo no Publico e vim aqui parar, concordo plenamente convosco, embora ainda não tenha tido a "coragem" para sair de Lisboa, é uma ideia que me ocorre bestante, sobretudo agora que tenho um rebento a caminho...
Trabalho na área das tecnologias e penso que até que consigo arranjar trabalho com relativa facilidade, só falta convencer a minha mulher...
Parabéns pelo vosso projecto.

contradicoes said...

Pois como vê caro amigo não só tenho o prazer de o seguir no tweetDeck como estou já aqui no seu blog a felicitá-lo por este post no qual nos dá conta de que faz parte dos novos povoadores. Não conheço Trancoso pese embora passe muito próximo do desvio cada vez que viajo da Beira Alta, mais propriamente de Celorico da Beira para Mirandela utilizando a estrada que passa pela barragem do Pocinho. Mas qualquer dia faço um desvio e vou conhecer Trancoso pois julgo não se justificar passando há tantos anos tão próximo. Mas como frequento com alguma assiduidade a chamada província noto sobretudo a região transmontana está-se a desenvolver a olhos vistos, muito provavelmente porque outros como o meu amigo resolveram empreender o movimento inverso daqueles que, desertificando a chamada provincia hoje são confrontados com dificuldades por razões da falta de emprego que quem vivem em zonas do interior não tem. E porque tenciono aqui voltar mais vezes o seu link segue dentro de momentos para a coluna respectiva.

sara said...

Boa tarde.Acho todo o conceito muito interessante mas infelizmente, por experiência própria, tenho que discordar de algumas coisas.Sou arquitecta e por circunstâncias pessoais vejo-me neste momento a ter que procurar trabalho na Beira Interior, mais concretamente na Covilhã/Fundão e deparo-me apenas com o deserto de oportunidades.Não existe trabalho na minha área, não consigo encontrar também em áreas alternativas e portanto suponho que terei que desistir. Apesar de a "vida no campo" parecer muito idílica a verdade é que me parece muito redutor viver em locais onde não existe oferta cultural, sobretudo tendo em conta a perspectiva de ter filhos. Criar crianças sem acesso a museus, teatros ou exposições entre outras actividades culturais parece-me, nos dias de hoje, privá-las deliberadamente de algo de fundamental para o seu desenvolvimento como seres humanos. E alegar que são apenas 3 horas de viagem, na minha perspectiva, não é suficiente, porque imaginar passar o resto da vida em modo "cigano", a ter que satisfazer necessidades familiares, educacionais, culturais, comerciais etc. torna-se algo esgotante. O único problema das cidades é as pessoas optarem por viverem na periferia, o que obviamente torna os tempos e os gastos impraticáveis. Mas os portugueses preferem poder levar o carro até "à cama" do que viverem o centro da cidade. Gostaria muito de poder pensar de outra maneira, até porque facilitaria a minha vida poder desenvolver a minha vida no interior, mas verifico que isso é impraticável.Muito obrigada pela atenção.

Frederico Lucas said...

Sarita!
Pelo que leio, o que a incomoda realmente é a falta de emprego na região que escolheu para viver: A Beira Interior.

Como sabe, a nossa geração foi educada para um modelo de emprego que está em "vias de extinção" para dar lugar a uma economia do empreendedorismo. E é nesse contexto que apoiamos as famílias a migrarem para estes territórios de baixa densidade.

Aceite um abraço


Frederico

sara said...

Frederico,
Obrigada pela sua resposta! Tenho a noção, até por alguns debates a que tenho assistido que a corrente do empreendorismo é defendida como a tendência do momento e compreendo perfeitamente onde se quer chegar. No entanto, sou da opinião que nem todos podemos ou queremos ser "patrões", mas ainda assim merecemos ter o nosso lugar na sociedade.
Desejos de boa sorte e bom ano 2010!

Aldeia da Reigada said...

Muito interessante...

Anthrax said...

Muitos parabéns pelo projecto.
Cheguei aqui através do link do Quarta República e devo confessar que já ando a pensar em sair de Lisboa há algum tempo. Creio que, por um lado, ando á procura de uma oportunidade para o fazer, por outro, tenho receio de o fazer exactamente pela questão do emprego.

No entanto, apesar de ter um emprego a full time, também trabalho em part-time através da internet. Só que falta-me aquele "pontapé no traseiro" para me fazer mover e deixar de ter medo.

Talvez começar por explorar melhor a informação sobre o vosso projecto seja um bom empurrãozinho. :-)

Parabéns