As "cidades do futuro" pretendem ser verdes, sustentáveis, inteligentes e low cost. Isto já existe. Chama-se "Campo". Frederico Lucas
Monday, March 02, 2009
A Busca Interior
São cada vez mais os que partem dos centros urbanos para o Interior. Procuram, não o ideal romântico de outros tempos, mas oportunidades de trabalho e de vida que as cidades lhes vão negando.
Ana Berliner foi das que trocaram Lisboa pelo Vale do Côa, terra que lhe vai servindo para cumprir o gosto pela conservação da natureza. Bióloga, é presidente da Associação Transumância e Natureza (ATN), actividade a que se vai dedicando como "hobby". A subsistência da família é assegurada pela exploração de uma casa de turismo rural.
É à frente dos destinos da ATN que Ana Berliner sente a solidão imposta por uma paixão que ainda não é valorizada pela sociedade em geral. "Temos falta de meios físicos e humanos", contou ao JN. "Enquanto há projectos, as coisas vão correndo bem... Mas os nossos meios são muito escassos". A carência é combatida pelos apoios que recebem de organizações internacionais. "Em Portugal, não recolhemos muitos apoios e não existe mecenato em projectos de conservação da natureza", lamenta a bióloga.
Os atrasos nos pagamentos do Ministério da Agricultura e o excesso de burocracia para passar à prática algumas das iniciativas, como o sempre adiado campo de alimento de aves necrófagas, desgastam e moem, exemplifica Ana Berliner. Mas não matam o gosto de quem deitou mãos e alma à dinamização de associações de desenvolvimento rural. O JN falou com vários jovens, actualmente à frente de projectos no Douro Internacional (ver página 3 e 4). A falta de apoios e o excesso de burocracia são queixas unanimente partilhadas.
Rui Rafael, do Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP) do Ministério da Agricultura, desmonta, no entanto, a ideia da insuficiência de apoios. No âmbito da aplicação dos fundos comunitários, a sociedade civil tem ao dispor uma dotação de 453 milhões de euros para aplicação em projectos que vão da diversificação da economia e criação de emprego, à melhoria qualidade de vida, implementação de estratégias de desenvolvimento local e para o funcionamento dos Grupo de Acção Local (GAL), explicou.
Até à data, adiantou, ainda, o técnico do GPP, foram criados 44 GAL, que cobrem 80% do território nacional. Estes gabinetes têm como tarefa a gestão da aplicação das verbas numa determinada área. "Sabemos por experiência que quem faz melhor o que é melhor para si é a comunidade local", explicou Rui Rafael, justificando, assim, a criação de unidades locais para a gestão dos fundos.
As associações podem submeter aos GAL os projectos que pretendem aplicar no terreno, sendo que têm que ter como filosofia subjacente a criação de investimento, emprego e competitividade, o que por si só não garante a resolução do problema da fixação de recursos humanos, sublinhou Rui Rafael.
Renato Carmo, investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), apesar de reconhecer a forte dependência das associações de desenvolvimento rural dos fundos comunitários, salienta a ausência de políticas públicas direccionadas para este tipo de dinâmicas. "Quando acabam os apoios não têm capacidade de continuidade", sublinhou o sociólogo, defendendo a criação políticas capazes de atrair pessoas ao Interior.
Gente que parte das cidades à procura de uma vida melhor, mas que partilha a intenção de preservar, valorizar e revitalizar o património rural das terras que a acolhe. Américo Tomé, vice-presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, embora reconheça a importância de receber forasteiros, mostra-se ciente das dificuldades. "Por cá, temos muito espaço para poucas pessoas", lamenta, consciente de que as oportunidades só vingam onde há gente.
in JN, Maria Cláudia Monteiro
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