As "cidades do futuro" pretendem ser verdes, sustentáveis, inteligentes e low cost. Isto já existe. Chama-se "Campo". Frederico Lucas
Monday, December 04, 2006
Lisboa e Porto perdem 75 mil habitantes
As capitais de distrito não param de perder população e os custos com as acessibilidades disparam. Lisboa foi a capital europeia que mais residentes viu partir e Sintra vai ser, certamente, o maior concelho português
A Lisboa mágica que inspirou o realizador Wim Wenders está a ser gradualmente abandonada. Milhares de novas famílias foram empurradas para a periferia, por não encontrarem na capital casas a preços acessíveis.
Lisboa é a capital da Europa que perdeu mais população, segundo um «ranking» da Comissão Europeia. Em quatro anos, desde 2001 a 2005, de acordo com as estimativas oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE), Lisboa assistiu, quase sem reacção, à fuga de cerca de 45 mil habitantes. Nos últimos 10, mais de 20% da população virou as costas às sete colinas.
A desilusão com Lisboa é tal que, se a cidade não seduzir novas gentes e não conseguir convencer os alfacinhas a ficar, arrisca-se a ter menos de meio milhão de habitantes e em breve deixará de ser o maior concelho do país, passando o emblemático estatuto para a vizinha Sintra. O facto, inédito na nossa longa história, pode vir a ser alcançado já em 2011, de acordo com uma previsão do Instituto de Ciências Sociais (ICS), no âmbito de um projecto de investigação urbanística e ambiental.
Este cálculo mostra que, a manterem-se as mesmas tendências de decréscimo verificadas nos últimos anos, Lisboa pode ter nessa data perto de 470 mil residentes e Sintra pouco menos de 480 mil. Um futuro ainda mais preocupante está marcado para o Porto. A Invicta, que tinha no início da década de 90 mais de 300 mil habitantes e era o segundo concelho mais populoso, chegou a 2001, ano do censo nacional do INE, com menos 40 mil residentes, sendo ultrapassada por Vila Nova de Gaia, o concelho que mais cresceu a seguir a Sintra. Segundo ainda as estimativas do INE, até ao final do ano passado mais 30 mil pessoas abandonaram o Porto. Ou seja, entre 1991 e 2005, a cidade perdeu quase 23% da população.
As estimativas do ICS prevêem para o final desta década que o Porto caia para o quarto lugar, a escassos menos de dois mil residentes de Cascais e Seixal.
Curiosamente, entre as 25 cidades que perderam mais população nos últimos quatro anos, encontram-se, além de Lisboa e Porto, outras sete capitais de distrito (Coimbra, Funchal, Portalegre, Ponta Delgada, Évora, Castelo Branco e Beja), tornando o abandono das capitais um desaire nacional.
À volta destas, principalmente do Porto e de Lisboa, crescem outras metrópoles-dormitórios, a maior parte com falta de equipamentos e serviços suficientes. Prognostica o ICS que Cascais, Vila Franca de Xira, Odivelas, Mafra e Alverca vão quase duplicar a população da década de 90 e Oeiras, Setúbal e Torres Vedras quase triplicar.
Deslocações custam 14,3% do PIB
A maior parte dos novos moradores destes concelhos trabalha em Lisboa ou no Porto. A custos enormes. ‘‘Custos colectivos bem maiores que os ganhos privados’’, diz João Seixas, investigador do Centro de Estudos Territoriais, do ISCTE. Um estudo com base em cálculos feitos em Espanha e em Portugal conclui que só a despesa no transporte individual privado (incluindo custos dos automóveis, dos seguros, dos investimentos nas rodovias, do tempo de trânsito, dos acidentes, do combustível) destes fluxos de tráfego diário em direcção às grandes cidades, equivalem a cerca de 14,3% do PIB (150 mil milhões de euros).
Estudiosos dos fenómenos demográficos responsabilizam a especulação imobiliária, a falta de estratégias governamentais e a ausência de medidas que rejuvenesçam os moradores. ‘‘Ainda não se compreendeu que a qualificação da cidade é um dos maiores motores da qualificação económica e social do país e que Lisboa ou Porto revigorados, ou cidades centrais médias revigoradas, sem dispersão contínua, darão uma maior força ao país’’, sublinha João Seixas.
in EXPRESSO, Valentina Marcelino
CAUSAS DO ÊXODO URBANO
MÁRIO LESTON BANDEIRA, demógrafo e investigador do ISCTE
Um dos factores de declínio da vitalidade da cidade é o envelhecimento da sua população. Lisboa está entre as 10 cidades europeias com maior percentagem de população acima dos 65 anos.
Não há incentivos para que se estabeleçam famílias jovens na cidade. Os preços das casas são determinantes. Além disso, falta uma série de equipamentos e apoios a essas famílias e, principalmente, às mães. A Suécia, que chegou a ter uma população mais envelhecida do que Portugal, conseguiu, através de políticas de apoio às mulheres e à maternidade, começar a inverter a situação.
As grandes empresas ligadas à habitação deviam apostar nas famílias jovens, com bons rendimentos, como clientes prioritários de habitação nos centros das cidades. São as que podem ter mais filhos e, por isso, contribuirão para o repovoamento.
As autarquias têm a obrigação de colocar, na primeira linha das suas prioridades, consistentes políticas de investimento em habitações a preços acessíveis para jovens e determinar cotas para estes nas novas construções ou reabilitações.
VÍTOR MATIAS FERREIRA, catedrático de Sociologia
Responsabilidade do sistema imobiliário em que a célebre lei de oferta e procura não se aplica: em Lisboa há excesso de oferta de casas para venda, com preços inflacionados, de hiper-especulação imobiliária. Havendo excesso, seria de admitir que esses preços dominuíssem, o que não acontece. Isso porque não há um mercado imobiliário, mas um verdadadeiro ‘cartel imobiliário’.
Perante o ‘cartel imobiliário’ a tendência é, para quem procura casa, indagar nas diversas periferias do concelho, onde os preços são menos especulativos.
As classes médias não encontram respostas para as suas capacidades financeiras.
Seria de pensar numa Entidade Reguladora de Habitação que procurasse moralizar o dito mercado imobiliário, acompanhando as diversas situações.
JOÃO SEIXAS, professor universitário, especialista em sistemas de governação de cidades e autor de vários estudos sobre Lisboa
Fragmentação da metrópole muito acentuada, com dispersão de empresas e dos locais de trabalho pelos diferentes municípios.
Elevada complacência, ou mesmo um apoio explícito, do poder local em relação a um crescimento imobiliário que desestrutura profundamente a metrópole.
Perspectiva errada de gestão urbana que encara os mercados do solo e do imobiliário como puramente financeiros.
É uma actividade que implica uma ocupação humana e o seu desenvolvimento significa o desenvolvimento da vitalidade e das energias da cidade
Não existe em Lisboa uma qestratégia de cidade, uma estratégia que defina claramente objectivos, projectos e acções a médio e a longo prazo, que delimite responsabilidades e comprometa responsáveis.
Falta de gestão de proximidade à escala do cidadão e das freguesias
A "defesa da honra" de Rui Rio: ‘‘O Porto não é uma cidade fantasma nem vai ser’’
Para Rui Rio, presidente da Câmara, mais importante do que fixar população é garantir o dinamismo e atractividade do Porto
P Por que está o Porto a perder população?
R Antes de mais é preciso relativizar essas estimativas. São só isso: estimativas. Por outro lado, é preciso notar que estas estatísticas não consideram, por exemplo, a ocupação de hotéis e a população estudantil da cidade. Não estão registados como residentes, mas somam mais de 20 mil pessoas que também dormem no Porto, embora recenseados noutro lado. De qualquer forma, a perda de população residente é um problema real. Mas isso não significa que o Porto esteja em declínio. Durante o dia, o Porto tem perto de meio milhão de pessoas. Não podemos olhar para a grandeza de uma cidade pelo número de aglomerados de prédios que servem de dormitório e de registos para estatísticas. Uma cidade é muito mais do que isso. Vale muito mais pela sua qualidade como espaço urbano, pela dinamização económica, pelo grau de atracção cultural. E nestes aspectos, o Porto pode não ser a cidade com maior número de habitantes a dormir, mas é sem dúvida um dos maiores pólos de atracção do país. Estamos muito longe de ser uma cidade-fantasma.
P Não é importante travar a saída de residentes?
R Insisto que o Porto não está a competir com ninguém para ter mais gente a dormir, mas sim para ter mais gente a viver. O importante é que continue a ser um centro de dinamismo económico, social e cultural. De qualquer forma, por uma questão de valorizar ainda mais a cidade nesses aspectos, temos em curso o projecto de reabilitação da Baixa. O nosso desejo é que essas casas possam ser ocupadas por famílias que actualmente trabalham ou estudam no Porto, mas vêm de concelhos limítrofes. Cerca de 20 a 30 mil pessoas que podem vir a residir definitivamente na cidade com esse programa de longo prazo. De realçar ainda que uma das minhas preocupações logo que assumi a presidência foi travar a construção nova na cidade, limitando-a no Plano Director Municipal. A prioridade é a reabilitação.
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2 comments:
Preocupante é o facto como a notícia está torneada. A ideia de que uma sociedade desenvolvida tem de viver em cidades está enraizada. Curioso é não se perceber que as pessoas anseiam qualidade de vida e que as cidades de hoje como estão estruturadas já não a oferecem.
E preocupante ver-nos despovoar as cidades e as pessoas passarem a residir em suburbios de betao sem qualidade, terem que todos os dias de deslocar-se para as cidades trabalhar, gastanto tempo e dinheiro e, perdendo a paciencia em transito caotico.
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