Os empresários e investidores portugueses têm de ir para além da "proximidade", seja ela o espaço europeu (em que se concentram) ou o de língua comum. Têm de ter em conta a geoeconomia em profunda transformação, diz o guru indiano Pankaj Ghemawat
Os empresários e investidores portugueses têm de saber lidar com as diferenças quando se internacionalizam e ir para além da "proximidade", seja ela o espaço europeu (em que se concentram) ou o de língua comum. Têm de ter em conta a geoeconomia em profunda transformação e saber diversificar, procurando os mercados que estão a dar cartas no crescimento mundial. Mas para isso não se devem deixar vencer ou intimidar pelas barreiras.
Esta foi a principal mensagem de Pankaj Ghemawat (um nome difícil, que ele aconselha que se leia assim: pun-kuj ghé-má-wut), de 51 anos, nascido em Jodphur, na Índia, atual professor de estratégia global no IESE-Instituto de Estudios Superiores de la Empresa em Barcelona, na conferência que realizou em Lisboa na AESE-Escola de Direcção de Negócios no quadro do Programa de Alta Direcção, e que reafirmou em entrevista.
P: A principal mensagem que quis deixar em Lisboa é que os empresários portugueses têm de ser mais ousados na internacionalização?
R: Sim. Têm de sair da sua zona de conforto. Estão concentrados excessivamente na Europa. E os mercados europeus, em geral, não são os que mais vão crescer no futuro. É preciso avançar para além dessa proximidade. A Espanha fê-lo no caso da América Latina. A ideia de uma expansão internacional incremental, passo a passo, não é o futuro. E a híper-focalização na Europa é um enorme risco para o futuro. Onde é que vão estar os mercados de exportação e de investimento? - é essa a questão que se devem colocar.
P: Mas devem evitar algumas ilusões, é esse o outro lado da moeda? A globalização continua a ser um mito muito propagandeado?
R: Temos de ter um método empírico - olhar os dados da realidade. Por isso eu falo de semi-globalização para dar uma noção mais realista e para insistir na questão de que continua a haver fronteiras, de que há diferenças e da importância de saber lidar com elas. E tenho a sensação que o mito do "mundo plano" está a passar. Tudo começou com Ted Levitt nos anos 1980 e a ideia de uma estratégia para um mundo integrado de mercados, depois com Frances Cairncross e a "morte das distâncias" nos anos 1990 até à mais recente ideia de que o "mundo é plano" de Thomas Friedman.
P: As redes sociais na web podem alterar as estratégias de internacionalização, facilitam a globalização?
R: É algo ainda novo e parece-me haver muito exagero à volta. Tenho algum ceticismo, por isso. O meu exemplo favorito nas tecnologias de informação é o Linux. É uma força poderosa de mudança. Na realidade, dá poder às pessoas - mesmo às pessoas pobres, como acontece no meu estado de origem na Índia, o Rajistão, onde os camponeses podem verificar quem é dono da terra.
P: A semiglobalização pode ainda acentuar-se mais se as políticas protecionistas e eventuais guerras de divisas ganharem predominância?
R: Estou muito preocupado com os desequilíbrios mundiais. Por exemplo, os excedentes chineses - eis algo com que nos devemos preocupar seriamente. Se esses caminhos que refere ganharem predominância, coisas realmente muito más podem acontecer.
P: A estratégia de projeção global das grandes empresas das economias emergentes pode mudar esse contexto e reforçar a globalização? Por exemplo, o investimento chinês no estrangeiro excluindo o setor financeiro aumentou 36% em 2010.
R: Não creio que altere qualitativamente. Os grandes investimentos da China e da Índia no mundo não são mais do que 1 a 2% do PIB. A maioria desses investimentos fora são na energia, nos metais e em projetos agrícolas. Não creio que se trate de um novo tipo de estratégia.
P: Tem algum exemplo de internacionalização que o tenha surpreendido?
R: Há um caso fascinante - o da Orbea, do País Basco, o maior fabricante de bicicletas de Espanha, que é parte do grupo cooperativo Mondragón, mas que também fabrica roupa e capacetes. Acabou por criar uma linha de montagem no Arkansas para o mercado americano em que apostou. Realizou a externalização das componentes menos importantes na China. Mas mantiveram o design no país de origem.
P: Ter duas sedes, uma no país de origem, e outra numa região que se considere chave para o futuro, é uma boa solução?
R: A Cisco parece querer ser o modelo desse ponto de vista. Nomeou um chefe de globalização com sede em Bangalore, na Índia, cidade que foi designada como centro oriental de globalização. Julgo ser exequível em algumas funções, por exemplo o que fez a Wall-Mart com o centro de compras mundial em Shenzhen, no sul de Cantão, junto a Hong Kong O mesmo fez a IBM que deslocou o responsável global de aprovisionamentos da região de Nova Iorque para a mesma cidade do sul da China, onde ficou sediada essa função. Mas criar centros de poder iguais parece-me muito mais difícil. A matriz que se cria é muito complicada. E há um problema crítico - se quiser recuar, como é? Sou, por isso, um pouco cético.
P: Qual é a sua principal mensagem no novo livro que vai lançar em maio intitulado 'Word 3.0'?
R: Que a ideia do "mundo é plano" é terrivelmente errada. O que é fundamental é reconhecer as semelhanças, mas também as profundas diferenças entre países que têm de ser tomadas bem a sério. Os níveis de globalização, como já referi, são ainda limitados. Por isso falo de semi-globalização. Mas isso não invalida que não haja muitas oportunidades por descobrir - se souber lidar com as diferenças. É esse o mundo 3.0 de que falo no livro.
Evite atitudes bipolares
Pankaj Ghemawat tem insistido em alertar os empresários para a fantasia de que o "mundo é plano". Os escritores "globalistas" têm vendido a ideia de que a internacionalização de produtos e serviços é hoje um passeio triunfal por uma carpete vermelha, pois assistiríamos a uma uniformização no consumo (uma convergência de gostos, como dizia Ted Levitt) e a um desabar de barreiras geográficas, administrativas, culturais.
Ora a realidade é madrasta, está longe dessa ficção. Por isso fala de uma situação de semi-globalização em que, em 2010, as exportações são apenas 23% do produto mundial, os fluxos de investimento direto estrangeiro ocupam apenas uma fatia de 9,9% da formação bruta de capital fixo e o índice de transnacionalização das 100 maiores empresas do mundo é apenas de 63%.
Aponta estes números para que os empresários caiam na realidade - pois, todos os "testes" de perguntas que se fazem sobre estes indicadores revelam uma sobrestimação enorme, na ordem do dobro ou mesmo do triplo. "Continua a haver uma intuição muito exagerada sobre a globalização. As pessoas erram por margens enormes - dão largas ao exagero", diz o professor de estratégia. Aliás, isso foi bem patente no "teste" que Ghemawat fez junto dos participantes do Programa de Alta Direção em Lisboa.
Por isso, o professor indiano de estratégia é particularmente ácido contra "a petulante superioridade das elites classificadas como 'homens de Davos' y globocratas, a insegurança terminal de todos aqueles que tentam estar atualizados ao dia, ou a utopia cândida dos internacionalistas".
Há quatro anos publicou na editora da Harvard Business School um primeiro manifesto contra esse mito, carregado de exemplos práticos e com "dicas" práticas, que intitulou 'Redefinindo a Estratégia Global - atravessando fronteiras num mundo em que as diferenças ainda contam'.
Nesse livro, Ghemawat desenvolve um modelo de avaliação das distâncias (culturais, administrativas, geográficas e económicas) para tornar visíveis as diferenças tanto nacionais como a nível setorial e advoga uma palete de estratégias de criação de valor que designa por triplo A: adaptação, agregação e arbitragem. Chama a atenção, em particular, para a arbitragem, ou seja "explorar as diferenças, em vez de as tratar como limitações que se devem modificar ou superar" ou, em muitos casos, que levam a desistir à partida. Recomenda, por isso, que se evitem "atitudes bipolares face à globalização" - da euforia à negação, ou vice versa.
Ghemawat foi professor na Harvard Business School durante 25 anos até vir para Barcelona em 2006.
in Expresso, Jorge Nascimento Rodrigues
As "cidades do futuro" pretendem ser verdes, sustentáveis, inteligentes e low cost. Isto já existe. Chama-se "Campo". Frederico Lucas
Monday, January 24, 2011
Thursday, January 20, 2011
Sunday, January 09, 2011
Empresas na “corrida ao crescimento verde”
Oitocentas empresas mundiais estão a redefinir a sua estratégia até 2020, apostando na sustentabilidade, no que é visto como um factor de diferenciação para os consumidores, segundo um estudo das Nações Unidas.
Os últimos tempos não têm sido fáceis para as grandes empresas, desde instituições bancárias a companhias petrolíferas, passando por fabricantes de automóveis. Primeiro a crise económica e depois episódios como a maré negra no golfo do México têm arrasado a confiança de consumidores nas grandes marcas.
“A confiança é o recurso mais escasso para as empresas”, sublinhou Bruno Berthon, director dos Serviços de Sustentabilidade da Accenture, na 10.ª conferência anual BCSD Portugal, que decorreu em Setembro de 2010 no Centro de Congressos do Estoril.
Na última década, várias empresas têm identificado uma nova oportunidade de negócio que lhes permite poupar recursos, dar cartas na inovação tecnológica e recuperar a confiança dos consumidores: a sustentabilidade. Querem ganhar esta “corrida” num horizonte que vai dos cinco aos 20 anos. “Acabaram-se os imperativos morais para ser amigo do Ambiente. Hoje, a sustentabilidade passou a ser um factor de diferenciação para os consumidores”, acrescentou Berthon.
Nunca como agora foi tão grande a crença das multinacionais nos benefícios da sustentabilidade, asseguram os autores do estudo "A nova era da sustentabilidade", da plataforma das Nações Unidas Global Compact – que reúne empresas comprometidas com dez princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, ambiente e anticorrupção – e a Accenture, divulgado no final de Junho. Dos 800 presidentes dos conselhos de administração (CEO) inquiridos no estudo, de 25 sectores de actividade em mais de cem países, 93 por cento afirmou que a sustentabilidade será fundamental para o futuro sucesso das suas empresas. Há três anos, essa percentagem era de apenas 51 por cento. Alfredo Sáenz, CEO do Santander, chama ao momento “a tempestade perfeita para a indústria”. Na verdade, 80 por cento dos CEO considera que a crise aumentou a importância da sustentabilidade no topo da agenda das empresas. Apenas 12 por cento reconheceu que reduziu o investimento em produtos mais “verdes”.
No mapa mundial, as regiões onde as empresas citam a sustentabilidade como muito importante para o seu sucesso futuro são a América Latina (78 por cento) e África (60 por cento). Na Europa, a percentagem é de 48 por cento.
Tendência já está lançada
Bruno Berthon viajou por dezenas de países e entrevistou, cara a cara, dezenas de CEO para lhes perguntar o que pensam da sustentabilidade. “Nas entrevistas todos começaram por dizer que a sustentabilidade é muito importante”, contou o especialista francês. É claro que nem todas as empresas estão a fazer aquilo que dizem querer fazer. Mas Bruno Berthon disse, em entrevista ao PÚBLICO, que está optimista. “Ainda estamos na turbulenta fase da ‘adolescência’, estamos só no começo. Mas a verdade é que as empresas decidiram não esperar pelas orientações dos governos sobre como fazer as coisas. A falta de vontade política tem sido uma decepção. As empresas estão a reagir de forma pragmática e pró-activa, definindo os seus próprios padrões”, contou. “Hoje, os CEO estão a ligar a sustentabilidade ao valor da sua empresa, inovam, têm programas energéticos, dão formação aos seus funcionários e começam a avaliar a realidade do seu compromisso.”
Ainda que “todas as empresas tenham a possibilidade de ser, mais ou menos, sustentáveis”, Berthon referiu, como exemplo, o caso da Siemens. “Em 2009, o portfólio de produtos e serviços ‘verdes’ desta empresa gerou receitas de 23 mil milhões de euros, ou seja, cerca de um terço das receitas anuais totais”. Segundo o estudo da ONU, em 2009, a Siemens ajudou os seus clientes a reduzir cerca de 210 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o equivalente ao total das emissões de Berlim, Londres, Munique, Nova Iorque e Tóquio.
Nesse mesmo ano, a Royal Phillips Electronics atingiu 31 por cento de receitas de produtos “verdes”, representando 7,2 mil milhões de euros. Em 2015 espera que essa percentagem suba para os 50 por cento.
Mas este movimento sustentável só é possível, lembrou Berthon, porque os consumidores mudaram. “Aquilo que era um subsegmento, o dos consumidores ecologistas obsessivos, acabou. Hoje, qualquer consumidor procura marcas com impactos positivos no Ambiente, na saúde e na sociedade”.
A mudança de mentalidades dos CEO explica-se ainda pelos efeitos de “políticas globais fortes, pelo discurso de pessoas tidas como líderes, como Al Gore ou Barack Obama, pelos preços da energia, por uma consciência global crescente”, comentou. “Vamos falar com os CEO e os governos para saber onde estão as lacunas e o que estão a fazer para as colmatar. Ainda há muito que está por fazer. É preciso inventar um novo futuro”, disse.
in Público, Helena Geraldes
Os últimos tempos não têm sido fáceis para as grandes empresas, desde instituições bancárias a companhias petrolíferas, passando por fabricantes de automóveis. Primeiro a crise económica e depois episódios como a maré negra no golfo do México têm arrasado a confiança de consumidores nas grandes marcas.
“A confiança é o recurso mais escasso para as empresas”, sublinhou Bruno Berthon, director dos Serviços de Sustentabilidade da Accenture, na 10.ª conferência anual BCSD Portugal, que decorreu em Setembro de 2010 no Centro de Congressos do Estoril.
Na última década, várias empresas têm identificado uma nova oportunidade de negócio que lhes permite poupar recursos, dar cartas na inovação tecnológica e recuperar a confiança dos consumidores: a sustentabilidade. Querem ganhar esta “corrida” num horizonte que vai dos cinco aos 20 anos. “Acabaram-se os imperativos morais para ser amigo do Ambiente. Hoje, a sustentabilidade passou a ser um factor de diferenciação para os consumidores”, acrescentou Berthon.
Nunca como agora foi tão grande a crença das multinacionais nos benefícios da sustentabilidade, asseguram os autores do estudo "A nova era da sustentabilidade", da plataforma das Nações Unidas Global Compact – que reúne empresas comprometidas com dez princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, ambiente e anticorrupção – e a Accenture, divulgado no final de Junho. Dos 800 presidentes dos conselhos de administração (CEO) inquiridos no estudo, de 25 sectores de actividade em mais de cem países, 93 por cento afirmou que a sustentabilidade será fundamental para o futuro sucesso das suas empresas. Há três anos, essa percentagem era de apenas 51 por cento. Alfredo Sáenz, CEO do Santander, chama ao momento “a tempestade perfeita para a indústria”. Na verdade, 80 por cento dos CEO considera que a crise aumentou a importância da sustentabilidade no topo da agenda das empresas. Apenas 12 por cento reconheceu que reduziu o investimento em produtos mais “verdes”.
No mapa mundial, as regiões onde as empresas citam a sustentabilidade como muito importante para o seu sucesso futuro são a América Latina (78 por cento) e África (60 por cento). Na Europa, a percentagem é de 48 por cento.
Tendência já está lançada
Bruno Berthon viajou por dezenas de países e entrevistou, cara a cara, dezenas de CEO para lhes perguntar o que pensam da sustentabilidade. “Nas entrevistas todos começaram por dizer que a sustentabilidade é muito importante”, contou o especialista francês. É claro que nem todas as empresas estão a fazer aquilo que dizem querer fazer. Mas Bruno Berthon disse, em entrevista ao PÚBLICO, que está optimista. “Ainda estamos na turbulenta fase da ‘adolescência’, estamos só no começo. Mas a verdade é que as empresas decidiram não esperar pelas orientações dos governos sobre como fazer as coisas. A falta de vontade política tem sido uma decepção. As empresas estão a reagir de forma pragmática e pró-activa, definindo os seus próprios padrões”, contou. “Hoje, os CEO estão a ligar a sustentabilidade ao valor da sua empresa, inovam, têm programas energéticos, dão formação aos seus funcionários e começam a avaliar a realidade do seu compromisso.”
Ainda que “todas as empresas tenham a possibilidade de ser, mais ou menos, sustentáveis”, Berthon referiu, como exemplo, o caso da Siemens. “Em 2009, o portfólio de produtos e serviços ‘verdes’ desta empresa gerou receitas de 23 mil milhões de euros, ou seja, cerca de um terço das receitas anuais totais”. Segundo o estudo da ONU, em 2009, a Siemens ajudou os seus clientes a reduzir cerca de 210 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o equivalente ao total das emissões de Berlim, Londres, Munique, Nova Iorque e Tóquio.
Nesse mesmo ano, a Royal Phillips Electronics atingiu 31 por cento de receitas de produtos “verdes”, representando 7,2 mil milhões de euros. Em 2015 espera que essa percentagem suba para os 50 por cento.
Mas este movimento sustentável só é possível, lembrou Berthon, porque os consumidores mudaram. “Aquilo que era um subsegmento, o dos consumidores ecologistas obsessivos, acabou. Hoje, qualquer consumidor procura marcas com impactos positivos no Ambiente, na saúde e na sociedade”.
A mudança de mentalidades dos CEO explica-se ainda pelos efeitos de “políticas globais fortes, pelo discurso de pessoas tidas como líderes, como Al Gore ou Barack Obama, pelos preços da energia, por uma consciência global crescente”, comentou. “Vamos falar com os CEO e os governos para saber onde estão as lacunas e o que estão a fazer para as colmatar. Ainda há muito que está por fazer. É preciso inventar um novo futuro”, disse.
in Público, Helena Geraldes
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